terça-feira, 18 de agosto de 2009

Fim de noite, início de vida

Madruga de sexta para sábado, quase uma da manhã. Toca Epic, do Faith No More, na picape. Luzes piscam e incendeiam aparições relâmpagos de todo tipo de figura. Uma dupla se beija, um cara de chapéu derrama o líquido de uma garrafinha verde goela abaixo, uma menina enlouquecida pula e acena para o DJ. Conversas gritadas ao ouvido. O próprio DJ me chama e me dá uma camisa que ele comprou na Sérvia para mim.
E os encontros. Um amigo que fugiu para a Espanha e agora foge para cá, não desgruda do grande amor. Uma companheira de trabalho diz que o nome de seu primeiro namorado era Theo - foi o que entendi. Um casal diz que está em dívida comigo e com a Fernanda. Precisam visitar o Theo. E o minúsculo colega bovino me conta as últimas de seu trabalho e completa dizendo que vai me indicar estagiários.
O acontecimento é um lapso cerebral-lúdico em minha vida de pai. Na verdade, é um simples piscar de olhos em toda minha vida como ser humano. Nunca fui muito de sair. Já teve vezes em que enfrentei fila para entrar em boate pela simples conversa com os comparsas - e na porta fui embora. Por isso, não é mortal, aliás, não chega nem a ser levemente doloroso deixar de ir a essas festas-com-dança que habitam o imaginário juvenil. Não é que eu tenha preguiça: longe disso. Sempre fui um cara animado. É só chamar que eu estou de pé. E eu gostei mesmo de reencontrar esse refinado grupinho de asseclas que fizeram e ainda fazem parte da minha rebordosa existencial.
Ser pai pode até ser uma boa desculpa para deixar de fazer alguns programas. E até vou usar se for preciso. Mas sempre será apenas uma desculpa. Pelo menos para mim, que nunca fui um guerreiro nato. Mesmo querendo desconstruir uma imagem de bom moço, a possibilidade de passar uma noite de sábado jogando XBox, PS3 ou Wii com o Theo ainda me faz ficar mais animado que me jogar na concrete jungle das comerciais brasilianas de Niemeyer...
Mas quem sabe a gente não enfrenta uma expedição antropológica no meio da noite candanga quando você for mais velho, né, Theo? Por enquanto, tenho que deixar a tal boate, abandonar as pancadas das caixas de som, a dança e as conversas dos companheiros da noite e voltar para casa. Há uma mamadeira esperando para ser degustada por esse menino de olhos vivos e sorriso banguelo. E eu sou o maitre e garçom desse humilde banquete...

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Trânsito, meu inimigo

Então, Theo, vou tentar mudar até o dia em que você conseguir perceber o contexto em que está incluído. Mas seu pai odeia o trânsito. Odeia a ponto de se transformar em outra pessoa quando está dentro de um carro. Aliás, sua mãe detesta quando estou dirigindo. Ela tem razão. Eu mesmo me detesto.
Quando estou com alguém no banco do passageiro, até seguro a onda – às vezes. Mas se estou sozinho, viro um animal. Como o Senhor Volante, personagem do Pateta em um antigo desenho. Só não xingo e não dou o dedo. O resto – cortar, acelerar até não poder mais, frear bruscamente, andar devagar só para irritar alguém que antes entrara na minha frente – é válido.
Não me sinto orgulho disso, mas também já tem um tempo que seu pai deixou de se preocupar tanto com a imagem de santinho que carregava. Na verdade, daqui para frente eu tenho uma imagem a zerar. Antes que os conservadores me condenem, já que agora eu sou pai, andei para eles. Theo, não estou aqui para ser um exemplo de perfeição para você. Isso seria injusto e uma pressão pra lá de canalha com você.
Seu pai é uma pessoa normal. Mas isso você só vai entender depois dos 18 anos, sei lá. Por enquanto, só guarde isso na sua cabeça: se seu pai se comportar como um animal no trânsito, pode chamar minha atenção. Estou aqui para ensinar e aprender com você. Vou me esforçar para você não me ver como um mestre infalível, mas só como alguém que se comporta muito mal no trânsito e é um doce de pessoa a pé.
Enquanto isso, vamos tentando mudar. Outro dia, vi que essa mudança é possível. Estava eu na minha, me aproximando de um carro que estava a minha direita. Sem dar seta e de repente, ele foi para a minha faixa, tentando pegar um retorno mais a frente. Eu freei e dei uma buzinada. Ele voltou para a faixa à direita, esperou eu emparelhar, encostou as palmas da mão, como uma prece, abaixou a cabeça e pediu que, por favor, o perdoasse. Bobeira se estressar no trânsito, né, Theo?