terça-feira, 18 de agosto de 2009

Fim de noite, início de vida

Madruga de sexta para sábado, quase uma da manhã. Toca Epic, do Faith No More, na picape. Luzes piscam e incendeiam aparições relâmpagos de todo tipo de figura. Uma dupla se beija, um cara de chapéu derrama o líquido de uma garrafinha verde goela abaixo, uma menina enlouquecida pula e acena para o DJ. Conversas gritadas ao ouvido. O próprio DJ me chama e me dá uma camisa que ele comprou na Sérvia para mim.
E os encontros. Um amigo que fugiu para a Espanha e agora foge para cá, não desgruda do grande amor. Uma companheira de trabalho diz que o nome de seu primeiro namorado era Theo - foi o que entendi. Um casal diz que está em dívida comigo e com a Fernanda. Precisam visitar o Theo. E o minúsculo colega bovino me conta as últimas de seu trabalho e completa dizendo que vai me indicar estagiários.
O acontecimento é um lapso cerebral-lúdico em minha vida de pai. Na verdade, é um simples piscar de olhos em toda minha vida como ser humano. Nunca fui muito de sair. Já teve vezes em que enfrentei fila para entrar em boate pela simples conversa com os comparsas - e na porta fui embora. Por isso, não é mortal, aliás, não chega nem a ser levemente doloroso deixar de ir a essas festas-com-dança que habitam o imaginário juvenil. Não é que eu tenha preguiça: longe disso. Sempre fui um cara animado. É só chamar que eu estou de pé. E eu gostei mesmo de reencontrar esse refinado grupinho de asseclas que fizeram e ainda fazem parte da minha rebordosa existencial.
Ser pai pode até ser uma boa desculpa para deixar de fazer alguns programas. E até vou usar se for preciso. Mas sempre será apenas uma desculpa. Pelo menos para mim, que nunca fui um guerreiro nato. Mesmo querendo desconstruir uma imagem de bom moço, a possibilidade de passar uma noite de sábado jogando XBox, PS3 ou Wii com o Theo ainda me faz ficar mais animado que me jogar na concrete jungle das comerciais brasilianas de Niemeyer...
Mas quem sabe a gente não enfrenta uma expedição antropológica no meio da noite candanga quando você for mais velho, né, Theo? Por enquanto, tenho que deixar a tal boate, abandonar as pancadas das caixas de som, a dança e as conversas dos companheiros da noite e voltar para casa. Há uma mamadeira esperando para ser degustada por esse menino de olhos vivos e sorriso banguelo. E eu sou o maitre e garçom desse humilde banquete...

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Trânsito, meu inimigo

Então, Theo, vou tentar mudar até o dia em que você conseguir perceber o contexto em que está incluído. Mas seu pai odeia o trânsito. Odeia a ponto de se transformar em outra pessoa quando está dentro de um carro. Aliás, sua mãe detesta quando estou dirigindo. Ela tem razão. Eu mesmo me detesto.
Quando estou com alguém no banco do passageiro, até seguro a onda – às vezes. Mas se estou sozinho, viro um animal. Como o Senhor Volante, personagem do Pateta em um antigo desenho. Só não xingo e não dou o dedo. O resto – cortar, acelerar até não poder mais, frear bruscamente, andar devagar só para irritar alguém que antes entrara na minha frente – é válido.
Não me sinto orgulho disso, mas também já tem um tempo que seu pai deixou de se preocupar tanto com a imagem de santinho que carregava. Na verdade, daqui para frente eu tenho uma imagem a zerar. Antes que os conservadores me condenem, já que agora eu sou pai, andei para eles. Theo, não estou aqui para ser um exemplo de perfeição para você. Isso seria injusto e uma pressão pra lá de canalha com você.
Seu pai é uma pessoa normal. Mas isso você só vai entender depois dos 18 anos, sei lá. Por enquanto, só guarde isso na sua cabeça: se seu pai se comportar como um animal no trânsito, pode chamar minha atenção. Estou aqui para ensinar e aprender com você. Vou me esforçar para você não me ver como um mestre infalível, mas só como alguém que se comporta muito mal no trânsito e é um doce de pessoa a pé.
Enquanto isso, vamos tentando mudar. Outro dia, vi que essa mudança é possível. Estava eu na minha, me aproximando de um carro que estava a minha direita. Sem dar seta e de repente, ele foi para a minha faixa, tentando pegar um retorno mais a frente. Eu freei e dei uma buzinada. Ele voltou para a faixa à direita, esperou eu emparelhar, encostou as palmas da mão, como uma prece, abaixou a cabeça e pediu que, por favor, o perdoasse. Bobeira se estressar no trânsito, né, Theo?

sábado, 13 de junho de 2009

Mas que m...

Theo, não posso me aguentar, não posso deixar de falar em uma de suas características mais marcantes atualmente: seu cocô. Sim, por conta do leite que você toma, o número dois só saía de dois em dois dias. Trocamos o leite e, invariavelmente, agora a meleca toma conta de sua fralda diariamente.
E que beleza, filhote! É de dar inveja ao seu tio Felipe Campbell! Geralmente é bastante pastosa. A primeira parte de seu cocô é mais escuro, entre um verde e um marrom. E não dá para ter pressa de trocar. Tem que ter paciência. Somente quando aparece um brigadeiro cheio de pontinhos brancos é que dá para tirar sua calça elástica e limpar.
E o cheiro?
Sério, Theo, dá para sentir lá da sala. Pode se orgulhar, meu filho: é poderoso! Um verdadeiro cheiro de cocô masculino!
Nunca tenha vergonha de falar dessas coisas escatológicas. Eu não vou ter vergonha de conversar com você sobre isso. Aliás, quando junta um bando de homens para falar besteira, taí um assunto que rende horas e horas de risos.
O único fato que me deixa pau da vida – e que te deixará bastante vermelho quando você for mostrar o blog do seu pai para suas namoradas – é quando você inventa de fazer xixi. Além de encher a fralda com aquele líquido amarelado, você tem o seu pai como alvo preferencial. É impressionante! Você espera eu tirar a calça plástica para mirar nas minhas camisas... A última foi na sexta-feira, dia dos namorados de 2009, na hora de seu banho. Você estava peladinho há alguns minutos, enrolado na toalha. Eu te desenrolei e virei seu rosto para mim. Eu conversava com você e você ria. De repente, fez uma cara de concentrado e o jato de xixi veio direto na águia do símbolo dos Ramones...
Tudo bem, não tem problema. Só espero que você tenha paciência quando seu pai for bem velhinho, usando calças plásticas, e você tiver que me trocar...

terça-feira, 19 de maio de 2009

Seu olhar

Da nossa pequena varanda a visão também não é das maiores ou melhores, Theo. Na frente, dá até para tomar conta do filhos dos vizinhos, de tão perto que é. Do lado esquerdo, uma fresta entre um prédio e outro mostra... outros prédios. E na direita aparecem duas árvores, um poste colorido enorme do posto Peter Pan e a nervosa EPTG. Bom, parte dela. Daqui é possível ver o trânsito, o congestionamento e dizer se vale a pena alguém visitar a gente ou se a gente pode sair de carro.

Você gosta da nossa varanda. Da visão, ainda não dá para dizer. Afinal, todas as vezes que sua mãe quer te acalmar, ela te leva lá. Uma brisa leve e a claridade fazem você fechar os olhos e adormecer bem mais rápido. Talvez esses momentos já comecem a criar uma memória sua. Pensamentos que te acompanham durante o sono. Ou lembranças que fazem você sorrir. E gargalhar. Ninguém acredita muito porque só eu e sua mãe já vimos. Não é que você faça barulho de gargalhada, mas faz uns sons engraçados, abre sua boca banguela e se sacoleja todo.

Talvez seus olhares profundos para mim e para sua mãe também te acompanhem durante seus sonhos e quando você fica mirando pro nada, perdido nos seus pensamentos de bebê. Quando você está bem calminho ou enquanto a gente te dá a mamadeira, você fica com aqueles olhinhos vidrados, como se me enxergasse o coração. E a gente fica ali, minutos, um encarando o outro, como se fosse um só organismo, como se soubesse que eu também me alimento disso. Seus olhinhos que ainda não se definiram de que cor serão também me acompanham durante meus sonhos. E pode perguntar para sua mãe, ela terá a mesma opinião: como a gente conseguiu viver sem seu olhar durante tanto tempo?

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Mais um dia de aventura

Theo, hoje foi um dia de novidades e descobertas para nós. Primeiro, fomos fazer algo chamado estimulação precoce. Não, não tem conotação sexual. Como você passou seus dois primeiros meses de vida dentro de uma UTI, pode ter perdido tempo no seu desenvolvimento motor principalmente. Uma criança prematura deveria sempre fazer isso – pena que é tão caro e seus amiguinhos e amiguinhas mais carentes precisam de virar de outro jeito. Então, uma especialista em fisioterapia e outra em terapia ocupacional fizeram um check up em você. Elas mesmas falaram: você é um menino muito esperto. O trabalho de fisioterapia feito na UTI foi muito bom. Vamos ver o que virá daqui para frente.

Agora, no início da noite, você estava com dores. Reclamou muito, chegou a chorar. Teve uma hora em que eu te peguei no colo, barriga colada no meu peito, cabeça encostada na minha cabeça. Dentro do seu quarto, rodei um pouco e você continuou a choramingar. De repente, parou. E voltou a chorar. E parou. E voltou. Notei que você se calava quando seus olhos passavam por um certo lugar especificamente. Era o quadro com suas fotos. De quando você estava na barriga da sua mãe. De quando nasceu. De quando estava na UTI. Cheguei você bem perto das fotos. Você abriu seus olhos e os fixou nas imagens. Chegou a esticar os bracinhos. A história da sua vitória está ali, Theo. Momentos congelados da nossa felicidade e agonia.

Entre um e outro acontecimento, estava eu a navegar na net, procurando quem oferecesse Pre Nan mais barato. Um garotão prematuro e sem o leite da mamãe, pesando tão pouco para sua idade precisa desse produto. Caro, muito caro. Mas que está fazendo você engordar horrores. Então, descobri um blog de uma mãe portuguesa chamada Ana Salvador, salvo engano (http://www.nascerprematuro.org/). Ali tem histórias de outros bebês prematuros, dicas, histórias, fóruns para discussão. E uma lista bem interessante de pessoas famosas que nasceram prematuras, assim como você, Theo. Aí vão elas:

- Albert Einstein
- Charles Darwin
- Isaac Newton
- John Keats
- Mark Twain
- Napoleão Bonaparte
- Renoir
- Winston Churchill
- Thomas Hobbes
- Victor Hugo
- Voltaire
- Jean-Jacques Rousseau
- Anna Pavlova
- Stevie Wonder

Belas companhias, hein?

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Durma bem, Theo...


THE BANGLES "Eternal Flame"
Nos nossos planos, o Theo só dormiria no berço ou no máximo no carrinho. Não é assim. Não dá para ficar só olhando ele chorar, mesmo sabendo que é manha ou que ele está com sono e com o tempo dormirá. Mas eu tenho minhas manhas também. Se ele estiver com sono, mas lutando para não dormir, basta eu carregá-lo no colo, colocá-lo no carrinho ou no berço e cantarolar essa musiquinha brega mas efetiva. Tem uma explicação: uma parte da estadia do Theo na UTI foi dentro da ala cirúrgica. E quando havia um parto, as enfermeiras colocavam um CD com versões de músicas pop para bebês. Esta era uma das músicas. Durma bem, Theo!

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Só nós três...

Estou aqui a ouvir Fluffy Puffy Clouds, especialmente feita para bebês. A TV está desligada e você, Theo, faz uns barulhinhos só seus. E se mexendo. Louco pra que a gente pegue você no colo. Uns olhos enormes que agora começam a mostrar verdadeiramente de que cor serão. São mais claros que os meus, acho que é mel. São 18h e chega essa hora você fica bastante agitadinho. Não quer muito saber de dormir. Fica assim até umas 21h.

Gosto de ficar olhando pra você durante muito tempo. Às vezes fico meio impaciente de você não tirar seus cochilos, mas na maior parte do tempo é muito bom olhar pra você e ver você olhando fundo pra mim. Agora dá gosto de ver suas bochechas ficando rosadas, sua respiração constante e você sugando com vontade suas mamadeiras. Está comendo que é uma beleza!

Você, Theo, com pouco mais de dois meses de vida, e mudando todos os dias. Hoje em dia você gosta de tomar banho, apesar de às vezes dar uma reclamada. É louco por um colo. E gosta que eu empurre você bem rápido no carrinho. Ah, e pega no sono toda vez que entra no carro. Tem dores de barriga e cólica, mas pensei que seriam piores. Na verdade, você é um bebê até bem calminho. Como foi avisado, nossas horas de sono são escassas e esparsas. E como eu avisei, não adiantou nada eu ter dormido muito antes...

Vou tentar escrever mais para você aqui no seu blog, Theo. Mas é difícil. Não pelo trabalho que você dá. Eu não me importo. O problema é que ficar acordado e longe de você me dá aflição. Feito sangria desatada, quero curtir você, seus barulhinhos, seus olhares, seus sorrisos – ah, eu e sua mãe descobrimos que de vez em quando você dá gargalhadas, chega até a tremer. Quero curtir você e só isso. E deixa eu acabar isso aqui porque já estou com saudades.

PS.: Deixamos uma semana de "spa" para trás, com seus avós Agenor e Goretti e sua dindinha Carol dando toda a atenção para você. E na hora em que passamos na casa dos seus avós Luiz e Zilda, seu vô Luiz não aguentou a onda: depois de ver você dormindo com aquela cara tranquila que você fica durante o sono, ele saiu correndo e escondendo o choro...

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Seu segundo nascimento

Foram 65 dias. E noites. E madrugadas. E conversas com médicos, enfermeiras, técnicas em enfermagem, fisioterapeutas, fonoaudiólogas. Desânimos, lágrimas e cabeça baixa a cada derrota – como os sete dias em que você ficou gripado, Theo. Mas também sorrisos e comemorações, ainda que contidas, a cada vitória sua. Enfim, você saiu da UTI. Já tinha passado um pouco das 13h30 dessa quarta-feira, dia 29 de abril de 2009. Dia 29, assim como o aniversário da sua mãe. Assim como o casamento de seus pais.

O dia do seu segundo nascimento.

Perdoem toda a pieguice do texto a partir de agora. Depois de 65 dias assim, eu preciso desabafar. De qualquer jeito.

Você foi forte, Theo. Você e seu anjo da guarda. Seus 915 gramas iniciais não foram páreo para vocês dois. Hoje, com 2,015kg, nossas preocupações, graças a Deus, são outras. Agora, como pais "normais", tentamos descobrir se você chora por fome, sono, manha ou fralda cheia. Ou qual é a melhor posição para você quando está com cólica. E qual o melhor horário para as visitas. Ah, Theo, tem um monte de gente que quer ver você e, em vez de ficarmos preocupados ou estressados com tantas visitas, só conseguimos respirar aliviados. Porque você está ali, do nosso lado, com aqueles olhos arregalados, curiosos para devorar o mundo ao seu redor.
Não vou mentir, Theo. Deixei de escrever um tempo para você por causa da minha preocupação. Como sempre, seu pai fingiu ser forte para segurar as pontas. E nesta quarta-feira quase eu não consegui. Todas as enfermeiras e técnicas que cuidaram de você foram mágicas, especiais. Mas três quase fizeram eu cair no choro. Ana Paula, Lídia e Patrícia beijaram você e saíram correndo, dando tchau meio de costas para mim e para a sua mãe. Elas acham que nós não notamos, mas senti que elas não vieram nos abraçar porque estavam com os olhos marejados, assim como eu.
Claro, não vou sentir saudades da UTI. Mas não dá para negar que foi um grande aprendizado. De sofrimento e de alívio. De tristeza e de felicidade. De solidão e de amizade. Quando você for maiorzinho e encontrar algum amigo ou amiga de seus pais, pode abraçar, dar um beijo e agradecer. Todos eles colocaram um tijolinho no muro que protegeu nos três. Todos eles e elas foram responsáveis também pelo seu segundo nascimento.

terça-feira, 24 de março de 2009

Muito prazer, eu sou a rede

Theo, meu querido filho, depois de muito tempo escrevendo este blog para você, vou te apresentar a internet. Sim, é nela que minhas palavras para você podem chegar a milhares de pessoas (eu escrevi "podem chegar", não necessariamente chegam). Resolvi te escrever sobre isso para que você não tenha uma ideia errada sobre o seu pai quando ele resmungar sobre essas "modernidades".

O assunto surgiu com um amigo do seu pai, o Anderson, que eu conheci na Escalada, foi meu estagiário no Aqui DF e hoje trabalha no site de O Dia. Pois bem, ele me deu a sugestão de ter um MSN e, quem sabe, entrar novamente no Orkut.
Mas, sabe o que é? Eu não quero.

Não é manha, não é que eu seja rabugento com essas coisas tecnológicas, interativas, globais, etc, etc. Simplesmente eu só uso o que preciso. Mínimo, simples. Além disso, manter contato com as pessoas de uma forma tão superficial como a que existe, na maioria dos casos, no Orkut, não me interessa. Pode parecer estranho, e eu escrevi isso para o Anderson, mas adoro a ideia de passar pela vida das pessoas e deixar minha marca – e vice-versa – e pensar na possibilidade de nunca mais encontrar essa pessoa. Ou encontrar de repente. O que faço questão é de manter contato permanente com o meu presente. Quer ver?

Fiquei oito anos sem celular. Uma hora me fez falta. Comprei um. Não tinha interesse em ter um blog. Em um mesmo momento, fui chamado para escrever no bolaetudo.blogspot.com e decidi que era importante eu colocar em letras o que eu estava sentindo ao esperar você, Theo. Entrei nos dois.

Decididamente não sou contra Orkut, Twitter, MySpace, MSN. Acho tudo isso sensacional. Mas só usarei se for prático para mim. Por exemplo, sou um especialista em Google. Eu preciso dele. Não veja isso como uma pré-censura. Se você quiser, te ensino tudo sobre o assunto. Se você quiser, mesmo que não seja útil para você, te coloco em contato com esse mundo virtual e maravilhoso. E, de preferência, que eu te ensine tudo isso de uma forma bem real, ao seu lado, olhando no seu olho, com carinhos, beijos e tudo o que faz um humano ser humano.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Aprenda a falar e fale!

É engraçado como eu já critiquei muito os pais que começam a fazer planos para seus filhos, mesmo antes de eles nascerem. E é mais engraçado como, às vezes, eu me pego fazendo o mesmo. Ah, Theo, não seja jornalista. Ah, Theo, acho que você tem mãos de judoca. Nossa, você tem todo o jeito de quem vai ser um cientista.

Aí a gente olha pro seu rostinho e também já começa a "planejar" sua aparência: a boca é da mãe, o nariz e as orelhas são dos pais, o olho é de mãe também. E as entradas no cabelo? Igualzinho ao pai!

A vida para você, Theo, já começa com uma pressão que não deixa você ser você. E como diz Cat Stevens em uma música, desde que você aprende a falar é ensinado a se calar.


Pode me cobrar: eu vou tentar ao máximo dar a você várias escolhas, várias possibilidades na sua vida. Mas também não dá para negar: vários gostos que eu tenho foram herdados dos meus pais. Eu duvido, por exemplo, que você não seja botafoguense. Já tem até camisa com o escudo do Glorioso para você. Com música, a mesma coisa. Estou falando isso porque você já tem um body e uma camisetinha do Iron Maiden. E na próxima sexta-feira, decidi ir ao show do Iron no Mané Garrincha também para te homenagear. Sim, porque você, nos seus 35cm e 1,170kg, é um guerreiro, um lutador. Mesmo que você não goste de metal pesado no futuro, pelo menos vou cantar pensando em você. E dedico a você, Theo, o Discurso de Churchill, que geralmente é declamado antes de cada show do Iron começar. Ele me lembra sua força, sua garra, sua vontade de viver:

Nós lutaremos até o fim,
Nós lutaremos na França,
Nós lutaremos nos mares e oceanos,
Nós lutaremos com crescente confiança
E crescente força nos ares!

Nós defenderemos nossa ilha
Qualquer que seja o custo!
Nós lutaremos nas praias,
Nós lutaremos em aterros,
Nós lutaremos nos campos
E nas ruas,
Nós lutaremos nas montanhas.

Mas nós nunca nos renderemos!

sábado, 14 de março de 2009

Um pequeno milagre

Saí daqui na quinta-feira cansado do trabalho, mas doido para ver o Theo. Peguei a Fernanda em casa e chegamos ao hospital 0h30, mais ou menos. Ficamos olhando para o nosso gigante e ele lá, dormindo, em uma paz total. Aí chega uma enfermeira, do tipo chegada nossa. E ela faz a pergunta de R$ 1 milhão:

- Mãezinha, você chegou a pegar ele no colo alguma vez?

Claro que não. Então, na moita, no mocó, totalmente quebrando as regras, a enfermeira olha para um lado e para o outro e diz:

- Toda mãe merece pegar o filho no colo. Isso está errado.

Em uma operação de risco, ela coloca uma roupa especial na Fernanda, tira o Theo da encubadora e coloca aquele ser minúsculo pertinho do coração da mãe dele. Não durou nem 15 segundos. A Fernanda dá um beijo na cabeça dele, e o Theo volta pra encubadora. Lá dentro, ele fica com os olhos bem abertos e – eu não estou mentindo nem exagerando – com um sorriso que chegou a levantar as orelhinhas dele.

Ok, o papai aqui só ficou olhando. Mas compartilhar aquele pequeno milagre foi mais do que o suficiente para me sentir pai.

sexta-feira, 6 de março de 2009

11 dias na UTI

Pega o carro. Ré. Acelera até chegar ao portão do condomínio. Freia. Espera o portão abrir. Sai e enfrenta o trânsito da EPTG. Oito minutos entre Águas Claras e Taguatinga Norte, Hospital Anchieta. Mais cinco minutos procurando vaga. Aguarda elevador para evitar a passagem pela Emergência e seus doentes. Dá o nome e o RG. UTI neo-natal. Nome do bebê? Theo. Somos pai e mãe. Passa pelo corredor: de um lado uma espécie de local destinado a missas; de outro, o centro cirúrgico. Abre uma porta. Encosta devagar para não assustar os recém-nascidos. Abre outra porta. Mesmo procedimento. Lava a mão com sabonete líquido seguindo seis passos: primeiros as palmas, depois as costas das mãos, a seguir as laterais dos dedos, em seguida as articulações e unhas, continua com o dedão, e por fim a ponta dos dedos. Enxuga as mãos e aquele cheiro doce arrebata as narinas. Enxuga. Espreme a caixinha que contém álcool gel, 70%. Cheiro forte de álcool. Cumprimenta as enfermeiras, nutricionistas, fisioterapeutas ou médicos que por acaso estejam no local.

Isso se repete duas, três vezes por dia, nos últimos 11 dias. E deve se manter como rotina no próximo mês, mês e meio.

Mas toda vez que eu e sua mãe chegamos perto daquela caixa de acrílico, parece que é a primeira vez. E a última. Temos a impressão que alguma hora o doutor ou a doutora vão chegar e dizer: "Podem levar, ele já está ótimo!". Sem pressa, Theo. É bom chegar ali, abrir aquelas portinhas e tocar em você. Sua mãe desliza o dedo nos seus ralos cabelos e você ensaia um sorriso. Mesmo que seja um espasmo muscular involuntário. Não importa. Para nós dois, Theo, são seus primeiros sorrisos. E você abre seus olhinhos com um esforço tremendo. Olha para nós dois. O sorriso vem de novo, seguido de um bocejo e uma espreguiçada regozijante.

Assim, a UTI perde um pouco de seu tom assustador. É somente o lugar para ver minha vida pulsar, abrir os olhos e sorrir.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Os viajantes

Theo, logo no início de sua convivência coletiva na nossa casa você vai notar que eu e sua mãe temos muitas divergências, muitos gostos totalmente desencontrados. Eu detesto peixe; ela come sardinha crua. Eu não vivo sem um mamão; ela fica brava só de falar em fruta. E nós vivemos muito bem com as diferenças. Aliás, crescemos muito com elas.

Mas se tem algo que nós dois adoramos, ficamos ansiosos, temos taquicardia só de pensar é uma boa e nova viagem. Ou uma boa e velha viagem, não importa.

Antigamente eu gostava de viajar sozinho. Mas aí eu descobri o gosto de encontrar um mundo novo ao lado de uma pessoa. E podes crer que sua querida mamãe tem grande responsabilidade sobre isso. Ela e uma amigona chamada Bel. As duas passaram três meses em Dublin, na Irlanda. Na verdade, não só lá, mas viajaram para diversos lugares da Europa (olha uma fotinha delas em Londres!). E não há momento em que eu converse com sua mãe sobre o assunto e ela não elogie a viagem. Boa parte, tenho certeza, pela companhia. O seu vô Agenor, por exemplo, tem a tia Bel como uma filha.

Pouco depois, também descobri um companheiro de viagem muito legal, o Gustavo (o pai da Malu, lembra dela?). Depois de cobrir a Olimpíada de Atenas, em 2004, nós dois saímos para conhecer Roma e Paris. E é demais quando você encontra um espírito parecido com o seu para compartilhar essas descobertas. No ano passado, eu, sua mãe e seus avós Luiz e Zilda passamos por Paris, Londres, Dublin (graças à insistência de sua mãe...), Praga, Berlim e Amsterdã. E foi uma delícia!

Agora mesmo já estamos fazendo planos para suas primeiras aventuras fora do imenso Condomínio Ouro Verde, localizado no longíquo reino de Águas Claras. Pode preparar a pele e o "sandaum" para pegar uma prainha no fim do ano ou em janeiro. Sua mãe está louca para se deliciar nas cálidas águas dos mares nordestinos. E em 2010, talvez em julho, talvez em setembro, vamos para o Canadá! Sim, sua primeira viagem internacional, cara!

Depois, daqui a alguns anos, você poderá também ter o prazer de viajar sozinho. E mais tarde descobrir as maravilhas de conhecer outros mundos acompanhado. O importante, Theo, é viajar.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Eu demoro a entender...

Theo, passado o primeiro susto de quem se aventura a ter um filho, agora volto a escrever para você mais vezes. É hora de encarar o medo e seguir em frente. Mesmo que eu ainda não entenda certas coisas. Ou pelo menos compreenda. Ou ainda só aceite. Mas aí é preciso mais do que fé. Então, eu vou te contar uma historinha que aprendi em um livro do Jean-Yves Leloup. Vou resumir e só repetir as últimas linhas escritas por ele.

Leloup, em sua caminhada de aprendizado pelo mundo, chegou ao Monte Athos, na Grécia. Lá havia um grupo de homens que viviam meditando. Ele queria conhecê-los. Mas é uma região em que, dependendo da época, o sol castiga e o terreno é difícil. Pois bem, depois de um certo tempo, ele nem sabia mais o que estava fazendo em um lugar tão terrível.

Foi quando viu uma cabana e um monge com um rosário. Leloup chegou e o monge não arredou o pé. Sorriu e colocou o dedo diante da boca, deixando claro que era para permanecer em silêncio. Depois de um certo tempo, o monge notou que o peregrino estava tonto. Fez sinal para ele se sentar e saiu andando. Demorou uma hora e meia, deixando Leloup zangado e impaciente. Aí, notou que o monge voltou com uma lata, daquelas de conserva, com água. Sim, o cara tinha andando uma hora e meia, debaixo de um sol escaldante, para trazer um pouco de água para aquele desconhecido visitante tão cansado.

"O menor ato de puro amor, parece-me, é maior que a mais imponente das catedrais... Naquele dia eu entrava, pois, no cristianismo pela porta larga: uma lata de conserva enferrujada, o infinito de um gesto cotidiano... Há anos que este desconhecido sempre silencioso não cessa de sorrir-me: ficou este espinho de água e de luz cravado na carne crestada de minha história".

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Seu primeiro nascimento


O medo faz parte da vida, Theo. Em vários momentos você vai sentir. E na maioria deles, você vai ter que ser mais forte que o medo. Foi assim que aconteceu comigo durante quase duas semanas, a partir do dia 13 de fevereiro. Sim, uma sexta-feira 13. Receber a notícia que você já precisava lutar pela sua vida antes de sair da barriga da sua mãe tornou-se um peso enorme para mim. Porque, ao lado do medo, eu também carregava um imenso sentimento de impotência: não havia nada que eu pudesse fazer. Nada.
Quer dizer, havia. E comecei a alimentar minha fé, minha esperança em pensamentos e palavras. E na certeza que eu tinha que ser forte para manter a sua mãe também forte. Chorei sozinho porque somente com Deus eu podia mostrar meu lado humano e fraco. Naquela hora – que sua mãe e meus amigos e amigas me perdoem, Theo –, eu precisava colocar minha máscara de super-homem e agir com uma tranquilidade que não era minha.
Criei teorias teológicas. Tipo: cada ser humano tem direito a pedir um milagre em toda a vida. E eu implorei pela sua, Theo, e pela sua mãe. Fui a uma missa e só pensava em vocês dois. Sua mãe, ao meu lado, não conseguia se segurar. Mas seu pai foi forte, Theo. Eu tinha que ser forte, eu queria ser forte. Quase desmoronei na hora do Pai-Nosso. Uma menininha, de seus seis ou sete anos, com os cabelos castanhos bem claros, me olhou, sorriu e me deu a mão. Aquela mãozinha delicada, tão pequena… foi como seu eu segurasse a sua mão, ajudasse você nessa sua luta para sobreviver.
Está ficando piegas demais esse texto, mas não tenho como fugir disso, Theo. Porque é incrível como uma pessoa consegue se apaixonar, amar profundamente alguém que ela só conhece através de sons refletidos, que só sentiu com toques pela pele de outra pessoa, que só ouviu as batidas do coração. E aí você nasceu. Eu agora vejo você por uma placa de acrílico. Você está lá, pequeno, muito pequeno. Mas forte de verdade, e não só com uma máscara como seu pai. Eu e sua mãe chegamos perto de você e você se mexe. Nós dois falamos e você responde como se fosse por sinais.

Não dá para pegar você no colo, mas dá para tocar você. Aí eu me sinto forte de verdade, Theo. Você teve seu primeiro nascimento no dia 23 de fevereiro, e toda vez que eu toco em você, eu também renasço. Agora espero te cheirar, te abraçar forte, sentir sua respiração, seu coração aqui pertinho. Agora eu espero seu segundo nascimento.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Amizades

Theo, uma das coisas que você vai aprender na vida é que uma amizade de verdade é a melhor coisa que existe. E eu não estou falando só daquelas pessoas que você procura quando está na pior. Essas são imprescindíveis, mas a melhor característica de um amigo é a total ausência do sentimento de posse.

É assim: você conta um monte de coisas para uma pessoa. Ou então não conta nada - porque às vezes não é preciso dizer nada -, somente se diverte e se completa de uma forma incrível. E aí você passa um mês sem ver a pessoa. E o primeiro sentimento que vem na sua cabeça e no seu coração é: "Caraca, como é bom ver essa pessoa". Não há nada de "poxa, essa pessoa nem me telefonou, nem respondeu um e-mail que eu mandei". Sim, o legal da amizade é essa falta de cobrança. E a felicidade do reencontro.

Digo isso porque você tem potenciais amizades daqui para frente. Veja bem, não estou forçando nada, mas me vejo ao lado dessas pessoas e é tão legal que não dá para deixar de lado o pensamento: "O Theo é minha continuação, minha herança. Seria legal meu filho herdar também as minhas amizades".

Essa aí da foto é a Malu. É minha afilhada, filha do Gustavo e da Letícia. E vai ser sua amiguinha, com certeza. Também tem o Eduardo, filho do Titi e da Graça. Ah, e o Tarsinho, um pouco mais velho, coisa de dois anos, mas acho que isso não vai ser problema. E o filho/a filha do Tio Júnior e da Tia Priscila, que vai nascer em breve. O filhinho do Abelardo também vem aí. E o filho da Tia Cristina.

E não é só gente da sua idade. Tem a Keiny, os dois Felipes (Campbell e Venturim), a Renata e o Marcão, o Guilherme e a Pati, a Priscila, o Cássio e o Vinícius, seus primos Miguel, Maria Eduarda e Júlia, a madrinha Carol, os tios Débora, Rodrigo, Agenorzinho e Camila, seus avós, tios-avós, primos de segundo grau. Ah, e-as-amigas-da-sua-mãe-que-se-tornaram-minhas-amigas: Marcela e João Paulo (ele não é amiga, é amigo...), Lu e Tuca. A lista não acaba: Ju e Juca, Daniel e Elisa, o pessoal do Aqui, o Luizinho, o Cruz.

Com certeza eu deixei de citar alguém. Mas só no blog. E isso é o mais legal da vida, Theo: você ter tantos amigos assim. E poder se divertir com cada um de uma maneira infinita, porque cada um é um mundo diferente. Sua passagem aqui pela terra pode ser muito, muito mais legal com eles do seu lado. E vai ser um prazer me tornar seu amigo.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Mais um poema...

O filho que eu quero ter

(Vinícius de Moraes)

É comum a gente sonhar, eu sei
Quando vem o entardecer
Pois eu também dei de sonhar
Um sonho lindo de morrer

Vejo um berço e nele eu me debruçar
Com o pranto a me correr
E assim, chorando, acalentar
O filho que eu quero ter

Dorme, meu pequenininho
Dorme que a noite já vem
Teu pai está muito sozinho
De tanto amor que ele tem

De repente o vejo se transformar
Num menino igual a mim
Que vem correndo me beijar
Quando eu chegar lá de onde vim

Um menino sempre a me perguntar
Um porquê que não tem fim
Um filho a quem só queira bem
E a quem só diga que sim

Dorme, menino levado
Dorme que a vida já vem
Teu pai está muito cansado
De tanta dor que ele tem

Quando a vida enfim me quiser levar
Pelo tanto que me deu
Sentir-lhe a barba me roçar
No derradeiro beijo seu

E ao sentir também sua mão vedar
Meu olhar dos olhos seus
Ouvir-lhe a voz a me embalar
Num acalanto de adeus

Dorme, meu pai, sem cuidado
Dorme que ao entardecer
Teu filho sonha acordado
Com o filho que ele quer ter

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Você mexeu!

Theo, hoje você me deu um dos maiores presentes que um pai pode ter. Estava eu lá, de olho na televisão, assistindo ao Jornal Hoje, e com a mão na barriga de sua mãe. De repente, eu senti algo. Foi rápido. Sua mãe arregalou os olhos. Mas eu estava prestando atenção mais na TV do que no carinho, confesso. Quando a consciência já ia começar a pesar, uma outra pontada. Vinha do meio da barriga e atingiu diretamente a minha mão.

É, você tinha mexido. E pela primeira vez, eu senti.

Mas pai, não foi muito mais emocionante me ver na ecografia?, você poderia perguntar. Já escrevi aqui, Theo: ver você e ouvir seu coração passa mais pelo estágio de tranquilizar meu coração e minha alma do que qualquer outra coisa. Chorei naquele dia pelo simples fato de você estar bem. Mas também prometi, a partir daquele dia, que a preocupação não iria embora, porém, queria aproveitar mais a gravidez.

E esta segunda-feira, dia 5 de janeiro de 2009, perto das 13h30, foi assim. Ver e ouvir você foram fatos emocionantes e tranquilizadores. Mas sentir seu pezinho, mesmo que através da pele da sua mãe, foi como se eu tocasse você pela primeira vez. Naquela hora, eu não chorei. Só senti alegria pelo seu toque, pelo seu contato. Era só felicidade em seu estado mais puro.
Vou guardar aquele momento pro resto da minha vida.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Reflexão de início de ano

"A cada dia que passava, a escolha do Senhor se tornava mais compreensível. Podia ver como a paciência de meu Pai era posta à prova pela Sua criação. Consumimos Sua caridade sem parar de pecar. Assim, Ele precisava de alguém tão simples quanto eu para ouvir a confissão dos homens. Na desolação dos corações alheios, reencontrei o vácuo que sentira dentro do meu próprio peito durante o jejum no alto da montanha; descompensadas, apesar das boas ações que possam ter praticado, as almas contemplam o vazio, diante da memória de seus pecados. Quanta compaixão sentia pelos pecadores! E por isso rezei, implorando ao Senhor que nunca deixasse de falar por meu intermédio."
O Evangelho segundo o Filho, do jornalista e escritor norte-americano Norman Mailer.

Obs.: Só para deixar claro e sem segundas interpretações: a fala é de Jesus. E eu sou um dos pecadores...