segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

E o moleque abriu o berreiro...

Cena 1:
Em um supermercado, um moleque dos seus três anos de idade berra, rola no chão, prende a respiração até ficar azul, arranca os cabelos, chama a atenção de todos os que estão ali por perto - inclusive o da mãe dele, o que não tem muita importância, já que seu objetivo principal é fazê-la passar por tal constrangimento. Quer porque quer uma caixa de bombom. A mãe pega o menino pelo braço, sai do supermercado e lá fora dá uma bronca federal, com direito a um tapa na bunda. Eles voltam e fazem as compras normalmente.

Cena 2:
É uma loja de brinquedos dentro de um shopping. O menino grita, esperneia, derruba brinquedos. Quer um super-robô-que-fala-faz-contas-e-imita-a-britney-spears. Esmurra a mãe e diz que vai morrer. A progenitora é incisiva: segura o moleque e fala em um tom de voz calmo, com muita segurança. Ela diz que o menino está se comportando muito mal e que, por isso, ele vai ficar de castigo ali mesmo. Coloca o filho em um lugar específico e vai andar pela loja, sempre de olho nele. Ao final de um tempo determinado, ela vai ao lugar onde deixou o menino. Ele pede desculpas e os dois voltam às compras.

Cena 3:
Em um parque de diversões, um pentelho está se esgoelando, vermelho, esparramando a pipoca que segura em uma das mãos, enquanto aponta para um algodão-doce: ele quer a guloseima de qualquer jeito. A mãe diz que ele já está comendo a pipoca pedida antes, não dá para comer outra coisa. Ele insiste, pula, xinga e bate na coitada. Ela vai na carrocinha e compra o tal algodão-doce. O moleque se empanturra, feliz da vida, pára de chorar e continua seu passeio pelo parque de diversões.

Algumas conclusões a que podemos chegar depois das três historinhas - que são reais e foram vistas pelo narrador.

Primeiro: notaram que só apareceram mães? Pois é, são elas as verdadeiras criadoras, são elas as responsáveis pelos limites e traumas da criança. Claro, estou generalizando. Mas imaginem a pressão, a carga de responsabilidade que carrega um ser humano que precisar criar um outro ser? Tudo em nome de um sistema que coloca o macho como provedor dos alimentos-dinheiro-roupas-etc-etc em casa e que, por isso, não tem tempo para se preocupar com a criaçãos dos filhos. E quando arranja esse tempo, é de uma sensibilidade paquidérmica. É óbvio que a criação das crianças deve ser uma co-responsabilidade e que o homem também torna-se "dono" dos medos e libertações futuros de seus filhos.

Segundo: todas as situações foram resolvidas. De uma forma ou de outra, o piti parou. Acredito que cada uma das soluções encontradas terão uma conseqüência a curto, médio ou longo prazo. Mas são soluções. O que eu não gosto são de receitas. Porque os seres humanos não são feitos de receitas. Nós não respondemos igualmente a cada ação que nos é colocada ou imposta. Somos diferentes, temos reações diferentes. Receitas são feitas para fazer bolo. E nós não somos massa de bolo.

Terceiro: que medo da porra de criar um filho...

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Mais uma ecografia, mais um medo passado

Acompanhar o nascimento de uma criança é algo complicado, cheio de nuances. Não é só esperar nove meses e agüentar os altos e baixos da mãe. Na verdade, sua mãe, Theo, tem sido uma grávida exemplar: quase não reclama, não teve enjôos nem desejos, vive sorrindo e essa história de sensibilidade ela tirou de letra. Curte cada minuto, constrói uma história só dela e sua, como se você fosse um novo companheiro (e é) na vida dela, um amigo que agora ela carrega o tempo todo.

O negócio não é esse. Essa fragilidade que ela leva dentro da barriga é motivo de um acidentado relevo de emoções e preocupações. Primeiro, um mês de repouso absoluto. Depois, os primeiros três meses que são cheios de cuidados. Aí a gente descansa um pouquinho e aparece mais uma ecografia para saber o sexo. E aí, será que o médico acertou? Será que é menino mesmo? Existe alguma possibilidade de erro?

Agora está tudo bem. Mas tem outra ecografia. Para quê? Tem que saber se ele tem todos os dedos, se o cérebro está bem formado, se o coração possui os átrios, os ventrículos, as veias e as artérias. O meu coração bate forte toda vez que aquela imagem disforme aparece naquela tela de LCD do computador. Um medo grande de o médico falar que você, Theo, tem algum problema, se a gravidez não está correndo bem, enfim...

Hoje deu para ver que tudo está bem. Você é um bebê pequeno, calmo e saudável. É hora de curtir a gravidez. Sentir você começar a mexer. Conversar com você. Colocar umas músicas tranqüilas e legais. Fazer sua mãe rir, ficar alegre o tempo todo. Minhas preocupações vão continuar até o dia em que eu morrer, Theo. Sempre à procura do perfeito. Mas prometo não te cobrar. Prometo ser muito compreensivo. Pelo menos hoje eu prometo isso tudo. É que eu vi você. E toda vez me sinto tão perto assim de você, fico meio bobo. Ser seu pai tem me feito muito bem.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Luz, câmera, ação!


Hoje eu estava conversando com meu sobrinho sobre meu filme preferido. Ele ficou interessado em ver Pulp Fiction, depois de eu falar com tanta paixão. Tudo bem, a Lindona falou que ainda não era hora de uma criança ver um filme tão violento. Mas essa parte de censura e qual é o tempo certo para o Theo, ou qualquer criança, ter contato com vida real, eu escrevo um texto depois.
Mas Theo, eu já queria falar um pouco com você sobre filmes. Eu tenho que te dizer: alguns amigos meus falam que meu gosto para cinema não é dos melhores. Para outros, eu tenho o gosto muito comercial.

Explico: fui assistir uma vez a Cinema, Aspirinas e Urubus. É sobre um alemão que desfila pelo sertão nordestino vendendo aspirinas e por lá vai encontrando várias pessoas e situações. Achei delicado, oportuno, cheio de vigor. Meus amigos acharam chato e sem final. Por outro lado, não consigo imaginar minha vida cinematográfica sem Batman, o Cavaleiro das Trevas. É cadenciado, sombrio, verdadeiro. Mas também um verdadeiro blockbuster, para o qual muitos de meus colegas intelectuais torceram o nariz.

Eu não me importo. Para mim, cinema tem só a ver com gosto. Cinema é paixão, é detalhe que mexe com um ponto obscuro dentro da sua alma, da sua mente, é sentimento jorrando quente e que realmente diz algo para você. Taí uma coisa que acho que influenciarei você com mais vigor. Vou assistir novamente a um monte de filmes com você, de acordo com o seu crescimento intelectual. Que tal alguns desenhos antigos, como Fantasia? Depois uns mais modernos, como Toy Story (tá, não é muito novo, mas é fantástico!). Mais tarde, algo para mexer com sua imaginação: O Senhor dos Anéis, O Tigre e o Dragão, ET, Guerra nas Estrelas. Aí passamos para algo mais denso, como Brilho eterno de uma mente sem lembranças, Fargo, Faça a coisa certa, Blade Runner. Quando seu senso de humor estiver um pouco mais apurado, vamos para Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, Quanto mais quente melhor.

E depois dá para desfilar com Ladrões de Bicicleta, Sindicato dos Ladrões, Juventude Transviada, Um corpo que cai, O poderoso chefão, Taxi Driver, Paris Texas, Platoon, A liberdade é azul, A igualdade é branca, A fraternidade é vermelha. Por fim, vamos aos antigos e mais difíceis de se agüentar em uma vida tão acelerada como é hoje: O encouraçado Potemkin, Metropolis, alguns do Charles Chaplin, Sem novidade no front (assisti outro dia: um verdadeiro discurso pacifista), A regra do jogo (o do Renoir), As vinhas da ira, Cidadão Kane.

E ainda dá para você me ensinar alguma coisa: nunca consegui gostar de Fellini. Quem sabe não é você quem vai me fazer descobrir mais um clássico para assistir?

sábado, 29 de novembro de 2008

O seu coração, Theo

Não tem jeito de me acostumar. Toda vez que a gente vai ao médico e eu ouço aquelas batidas rápidas e contumazes do coração, o rosto do Theo me aparece na mente. É feito um milagre, sabe? Então eu deixo aqui para você, Theo, uma música pra embalar seu sono essa noite. Deus te abençoe.

Téo e a Gaivota

(Marcelo Camelo)

É de imaginar bobagem
quando a gente liga na televisão
toda dor repousa na vontade
todo amor encontra sempre a solidão
todos os encontros todos os poemas
manda me avisar
todos os embates todos os dilemas
manda me avisar
manda me avisar
eu sei
todo ser humano
pode ser um anjo

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Momento de besteira

Essa eu "capturei" de um site chamado http://www.perguntascretinas.com.br/

Eu sei que vai acontecer comigo...

"Eu estava fazendo as malas para uma viagem de negócios e minha filha de 3 anos estava se divertindo muito brincando na cama. A certa altura, ela disse:

- Papai, olha aqui!

E esticou a mãozinha mostrando dois dedinhos. Tentando mantê-la distraída, eu me aproximei e coloquei os dois dedinhos dela na minha boca dizendo:

- Papai vai comer os seus dedinhos! -, fingindo comê-los antes de sair correndo do quarto.

Quando voltei, minha filha estava em pé na cama olhando para os dedos, com uma carinha muito desolada. Eu disse:

- O que houve, docinho?

E ela respondeu:

- Cadê a minha meleca?

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A Cultura do Medo

– Moço, eu não estou andando sozinho, viu?
Na verdade, eu já tinha notado. Cinco passos atrás estava a mãe ou, enfim, quem estava acompanhando aquela menina de sete, oito anos. Primeiro achei engraçado aquela observação. Depois comecei a pensar em como os pais influenciam e já desde de muito cedo definem boa parte da personalidade da criança. E do futuro adolescente. E do futuro adulto. O que mais me impressiona na observação da menina é o medo. E essa Cultura do Medo (o termo não é meu) cada vez mais presente.

Não estou falando que não exista a violência, que o mundo hoje não seja inseguro ou colocando a culpa na mídia por essa opressão. Só não quero criar você, Theo, em um ambiente que, mais do que violento, seja temeroso pela nossa própria vontade. Não é uma percepção só minha. "Em nenhum momento da história tantas pessoas tiveram tanto medo", escreve Paulo Sérgio Pinheiro na introdução do livro A Cultura do Medo, do norte-americano Barry Glassner. E mais: "Não existe terror no estrondo, apenas na antecipação dele", diz Alfred Hitchcock. E o próprio Glassner indica: "É melhor que aprendamos a pôr em dúvida nossos medos supervalorizados antes que eles nos destruam. Os medos válidos têm sua razão de ser: dão-nos dicas sobre o perigo. Os medos falsos e exagerados causam apenas apuros".

É isso, Theo. Não quero criar você em um mundo de medo. Apenas apontar para você quais as causas do terror, da violência e do próprio medo. Tudo para que você não se antecipe ao ver um estranho caminhando em sua direção e se mostre um ser tão vulnerável. Como todos nós somos.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

"Desperta o gigante brasileiro..."


Theo, você vai ouvir muitas coisas sobre Brasília. Mas o pior é que eu, seu pai, não serei o primeiro a defender a cidade. Como várias outras pessoas, tenho uma série de ambigüidades sentimentais sobre a "capital da esperança". É muita paixão e ódio, empolgação e preguiça, vontade de abraçar e pregar em uma cruz.
Brasília tem a mesma força para me desinflar e olhar sem esperança para frente como para me direcionar para um horizonte amplo e me inspirar.
A cidade dos churrascos-nas-casas-dos-amigos-dos-Lagos e dos shoppings-lotados-no-sábado também é o lugar onde vivi toda minha vida, fiz meus amigos, chorei amores, me apaixonei e encontrei minha alma gêmea. Ao mesmo tempo em que eu reclamo que aqui não tem nada para se fazer, não consigo encontrar um tempo no fim de semana para ler um livro ou assistir a um jogo do Campeonato Inglês, de tantos compromissos. E mesmo sendo um cara caseiro, que não gosta muito de sair, tenho aí uma média de cinco ou seis festas-com-dança por ano. Pode crer, Theo, é um exagero para o seu pai.
Não aceito que falem mal de Brasília porque a cidade é a terra dos políticos corruptos. E de onde vêm esses políticos? Não aceito que falem mal de Brasília porque é uma terra onde tudo é distante. E o diabo do trânsito de São Paulo e Rio de Janeiro? Não aceito que falem mal de Brasília porque a cidade é a terra onde nada se tem para fazer. Vocês já vieram a Brasília para saber se isso é verdade?
Mas, cá entre nós, eu gosto de falar mal de Brasília. Desde que seja só eu e os candangos. É tipo aquela propaganda de um chinelo em que o ator e o dono da barraca na praia metem o pau no Brasil. Mas chega um argentino e se intromete. Aí o Brasil se torna o melhor lugar do mundo. E eu vou dar esse gostinho para cariocas, paulistas, gaúchos, pernambucanos etc?

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Dias perfeitos


Theo, acabei de pensar em alguns dias perfeitos para cada fase das nossas vidas. Na verdade, por enquanto, é a minha visão de perfeito. Depois que você tiver capacidade de falar qual o seu conceito de perfeição, aí a gente conversa... Ah, sua mãe não está presente porque é um dia só de nós dois. Depois eu faço um post com dias perfeitos ao lado dela.

1) A gente acorda às 9h da madrugada. Na verdade, você me acorda chorando, depois de uma boa noite de sono que durou mais do que sete horas (um recorde!). Aí eu te dou uma mamadeira e a gente sai para passear no carrinho que a dindinha te deu de presente. De vez em quando a gente dá uma parada e eu converso com você, contando as coisas da vida. Você começa a ficar enjoadinho, a gente volta pra casa, rola um banho, mais uma mamadeira e lá vai você dormir. Aí eu aproveito para entrar na internet, assistir a um joguinho na TV e, quem sabe, um cochilo de 20 minutinhos. Você acorda, toma mais uma mamadeira e a gente fica brincando no seu tapete de borracha. Faço cócegas, você dá risadas gostosas e a gente fica assim quase a tarde toda. Ainda dá tempo de mais um passeio. Vamos para casa, mais uma mamadeira, mais uma brincadeira, o banho para dormir e pronto!

2) São 7h30 da madruga e você corre para me acordar: "Vamos, pai, tá na hora!". Eu levanto e a gente vai para uma cachoeira. Chega perto de meio-dia, vamos almoçar. Você dorme ainda no carro, depois de acabar com um sorvete – e com o banco do carro, que está totalmente melado. Acorda, toma um banho e já se prepara para assistir à Gama x Botafogo, no remodelado Bezerrão (ah, foi o Gama que subiu para a Série A, antes das piadinhas jocosas). Voltamos rápido para tomar banho e correr para o aniversário do seu primo Miguel. E depois é cama, sem televisão!

3) São 11h da madruga e você me acorda: tenho que te levar a um churrasco dos amigos no Lago Norte. Lá vou eu falando sozinho enquanto você não larga o ipod. Pelo menos é rock. Lá pelas 19h você chega em casa. Como havia prometido, não bebeu nada, mas agora eu tenho que te levar para uma festinha roquenrrol. É claro, você faz questão que eu vá junto, afinal, ninguém conhece tanto do estilo musical do que seu paizão. Sim, seus amigos morrem de inveja porque eu vou para festinhas com você, canto e danço todas as músicas e faço as piadas mais legais. Lá pelas 4h a gente volta pra casa, canto juntos alguma música do Metallica...

4) Estou na frente de casa, esperando há pelo menos uma hora e meia por você. Não, você não está atrasado. É porque velho é cheio de manias, pressas e atrasos. Você vai me levar para passear no Parque da Cidade. A gente faz isso todo domingo. Você me coloca no carro, a gente vai conversando sobre a vida, você sempre me pede para eu contar histórias antigas (algumas inventadas). Depois, com dificuldade, já que minha bengala atrapalha mais do que ajuda, a gente dá uma voltinha pelo parque. Toma um picolé. Conversa. E depois vai almoçar. Depois você me leva para brincar com meus netos. O domingo chega ao fim e eu vou ler um bom livro e lembrar desses dias perfeitos. Que são perfeitos porque estou com você.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Da transitoriedade da vida...


Fico com medo de ficar monotemático. Não aqui. Afinal, o blog é uma pseudo-auto-análise-condescendente-sobre-o-exercício-de-ser-pai-sem-ainda-sê-lo. Digo, na vida, no dia-a-dia, nas conversas. Afinal, várias vezes no dia me pego pensando no Theo. Brinquedinhos, brincadeirinhas, conversinhas, historinhas, mamadeirinhas, horinhas sem dormir. Tudo isso me diverte, me faz lembrar da transitoriedade das coisas, na efemeridade da vida, blá, blá, blá...

Pois é, mas me sinto mal falando disso com os outros. Sim, porque quando me perguntam, eu posso falar horas sobre esses sentimentos estranhos, essa felicidade sem hora, uma coisa boba que eu sinto que só faz sentido pra mim. Desculpem por não falar sobre isso, é coisa minha. Minha e do Theo.

Também não quero encher os outros com o que pode parecer uma superioridade que não existe. Tipo: cara, você só vai saber de verdade o que é a vida quando tiver um filho. Balela. Até parece que quem tem cinco filhos sabe mais da vida. Eu estou falando de sentimentos. Que são milhares na vida de um ser humano. E viver sem um deles é possível, é provável. Pode ser até necessário. Mas é que eu precisava desse sentimento, saca? O quê? Claro que eu já pensei que ter filhos é ser inconseqüente, jogar mais um ser vivente na Terra, sofrer na hora do parto, sofrer na adolescência, sofrer quando se tornar adulto, sofrer quando ficar sozinho, sofrer quando chegar a velhice... pensando assim, a morte pode ser algo muito bom. E é.

É, eu sei, pode ser egoísmo meu, pensando desse jeito. Mas, até agora, viver tem sido essencial pra mim... e privar o Theo de todas essas experiências, essas belezas, essas tristezas, essas alegrias, essas amizades, momentos, sentimentos, lágrimas, risos, angústias, esperanças, enfim, seria uma sacanagem. Tão grande quanto colocar um filho no mundo. Portanto, deixem-me ser egoísta a meu modo. Prometo não chatear ninguém com o papo de ser pai. Pelo menos fora do blog...

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Mais uma história com moral


Era um campo de várzea. Desses que qualquer um, pobre, rico, filho de deputado ou de gari pode jogar porque é de graça. Um campo onde se encontravam alguns raros tufos de grama. Lá estavam Altino e Chicão. O primeiro jogava o fino, tratava a bola como uma amante, dormia com ela, a chamava de "meu amor" e contava com sua cumplicidade para fazer dos adversários um bando de bobos. Já Chicão era grande, parrudo, pescoço troncudo e de um futebol mais grosso que saco de enrolar prego. Chamava a bola de "vossa senhoria" e não tinha qualquer intimidade com a redonda.

Os dois eram marrentos, cada um a seu estilo. Às vezes, em uma pelada de domingo, Altino passava de Chicão e dava uma risadinha sarcástica. Outras vezes, Chicão dava um tranco em Altino que deixava o craque mais perdido que menino-sem-a-mãe-em-liquidação-na-feira-do-Guará. Depois de cada racha, dividiam um guaraná e estava tudo bem.

Num desses "guaranás", um resolveu tirar onda com outro. Chicão começou. Disse que tinha muito mais chance em um time de futebol profissional do que Altino. Claro, risada geral. Altino, com um risinho no canto da boca, falou para Chicão parar de falar besteira. Tinha gente rolando no chão, passando mal de rir. Chicão não arredava o pé: jogava muito mais bola que Altino.

Por acaso passava por ali um técnico profissional. Seu time disputava a segunda divisão do estado e com algum esforço poderia entrar na primeira divisão do próximo ano. Já experiente, com quase 70 anos, era respeitado no local. E sempre acompanhava as peladas por ali. Chamaram o tal técnico: e aí, quem era melhor, Altino ou Chicão? Colocaram os dois para jogar. Altino apresentou todas as suas armas, seus melhores dribles, seus mais bonitos gols. Conseguiu passar três vezes por Chicão. As outras 16 ficou na muralha-humana. Mas nas oportunidades que venceu o zagueirão, fez os gols. No fim, a pergunta para o técnico, que respondeu sem titubear, para surpresa de todos:

– É óbvio que o melhor é o Chicão. Com três desse tipo, não há time que consiga vencer o meu!


Moral da história: Quem nasce com o espírito pequeno, pode vestir qualquer roupa, pode se travestir de qualquer profissão. Mas morrerá com o espírito pequeno. E nunca vai conseguir enxergar que a beleza, na maioria dos momentos da vida, é bem mais importante que o pragmatismo.


(Livre adaptação de fábula de Monteiro Lobato)

terça-feira, 11 de novembro de 2008

É brincadeira!


Não gosto muito daqueles comentários de pessoas saudosistas que ficam falando: "Na minha época isso era muito melhor!" Há que se respeitar os dias de hoje, pombas! Em diversos níveis: antes o Campeonato Brasileiro era de melhor qualidade. Mas há muito tempo não se vê tanto equilíbrio. Antigamente nós tínhamos Mansell, Senna, Piquet e Prost na Fórmula 1, mas hoje nós podemos ver um negro correndo e um brasileiro novamente com chances de ganhar.

Escrevo isso por causa das brincadeiras de criança. Eu não era muito daqueles meninos rueiros, que passam o dia inteiro jogando bola e subindo em árvore. Meu irmão era muito mais disso. Mas eu tinha meus momentos. Adorava ser goleiro e quando queriam um bom na posição, me gritavam da janela para eu descer e jogar. Também soltei muita pipa – podem duvidar, mas até já montei algumas – e desci de carrinho de rolimã no Cave. E no mesmo lugar eu subia em árvore para catar jamelão. Adorava brincar de carniça e pique-esconde. Lembro até hoje de algumas noites muitos quentes no Guará, em que minha mãe descia com a gente e brincava de pique-bandeira até tarde.

Ah, e bete! Uma amiga minha, a Ieda, chegou a quebrar os dentes porque ficou muito perto quando alguém que rebatia subiu demais o cabo de vassoura na hora de acertar a bolinha. Bicicleta! Quando eu já tinha mais de 10 anos, corria o Guará inteiro com minha caloicross com cores ianques. Só que também era época do Atari. E o que é que tem brincar de Atari? O que é que tem se enfurnar um pouco em casa e se matar em jogos eletrônicos?

Quero ensinar algumas brincadeiras de rua para o Theo (e para quem mais vier). Quero levá-lo pelo menos uma vez por semana ao Parque da Cidade. Uma vez por mês a uma cachoeira. Vou ser paciente na hora de ensiná-lo a andar de bicicleta. Quem sabe colocá-lo em uma escolinha de futebol, mas desde que seja sem pressão, só pela brincadeira. Vou para a chácara da minha família e subir com ele em árvores. Ah, bolinha de gude também! E correr muito, e pular muito, e rir muito. Tá tudo planejado.

Mas um playstation estará guardado ali, dentro do armário. Aí teremos um dia de chuva. Ou em uma época de doença. Ou em uma noite de férias, em que poderemos acordar mais tarde. Ou quando estivermos cansados de ir para a rua. Enfim, aquela tela brilhante vai nos enfeitiçar e passaremos algumas horas sendo craques do futebol, heróis matando zumbis, princípes antigos atrás de tesouros. Porque tem coisas que hoje são muito melhores do que eram antigamente.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Leituras e releituras


Eu devia ter uns oito ou nove anos de idade. Mas desde antes, quando chegava à casa dos meus avós paternos, na Asa Norte, fica boquiaberto, olhando para cima. Meu alvo era uma estante de um marrom muito escuro, quase preto. E lá em cima estavam vários livros de capa verde. Uma coleção inteira de Monteiro Lobato. Assim que aprendi a ler, meus avós me deram todas aquelas obras. Acho que eram uns 10 livros. Acabei em três ou quatro anos de ler tudo. E até hoje sou um ardente perseguidor das letrinhas.

Quer dizer, ultimamente tenho andando meio relapso. Blog, trabalho, preparações para o bebê, muita televisão. Enfim, posso dar milhares de desculpas. Mas isso é só uma questão de tempo. Já separei Radical Chique e o Novo Jornalismo, do Tom Wolfe. Começo a ler neste fim de semana. Sem falta. Mas o que eu queria dizer mesmo é que tenho o penoso objetivo de fazer com que Theo também se apaixone por livros, como aconteceu comigo.

Apesar da cara feia da Fernanda, montei uma pequena biblioteca na nossa sala. Não tem nenhum livro de criança, mas já estou pronto para comprar alguns (calma lá, né, o moleque ainda nem nasceu...). O mais importante é ele ficar olhando para cima, vendo todas aquelas capas coloridas e, de repente, pedir para eu pegar um para ele, mesmo que seja só para ficar olhando as figuras. Quem sabe ele não aponta para A Sangue Frio (Truman Capote), que tem um vermelho intenso. Ou para Timbuktu (Paul Auster), também vermelho sangue. Ou pelo menos Slam (Nick Hornby), que é preto mas com letras alaranjadas.

Bom, se a visão de Theo não chegar até lá em cima, pelo caminho ele vai encontrar o computador. Já é um começo. O problema é que logo à esquerda temos a Televisão, em uma posição bem mais baixa, fácil, fácil para se mexer. Ai, meu Deus, será que é melhor eu colocar os livros mais embaixo?

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Meu filho, Theo


O nome é Theo. Não vai ser unanimidade. Tudo bem, a unanimidade é burra. Mas existem motivos, existe um significado, uma razão. Em primeiro lugar, vários nomes passaram pelas nossas cabeças. Quando um gostava, o outro não. Quando o outro gostava, o um não. Até que surgiu Theo. Os olhos brilharam, os sorrisos se encontraram, os pensamentos concordaram.

Seria Téo? Teo? Théo? Theo? Gostamos do último. Vai ser assim, Theo. Para mim, antes de saber o significado, era um nome pequeno e forte. Curto, simples e que vai direto ao ponto. Também parece com Leo. E isso já é uma vantagem...

Theo também remete, de forma meio óbvia, ao nome grego para Deus, para as coisas relativas a Deus. Na verdade, como nome de pessoas, significa presente de Deus. Correndo o risco de cair em um lugar-comum e ser piegas, nosso Theo pode se sentir assim. Para mim e para minha companheira, a graça de ter nosso filho é algo que não pode ser pensado ou sentido apenas como algo vindo de uma relação humana.

Vi em outro site que também há uma raiz eslava no nome. Pode ser uma variação do nome Thor. Mas isso é especulação. Em eslavo quer dizer Deus da Guerra. Segundo o site, é o nome de pessoas corajosas.

O que mais me salta a vista no nome Theo, porém, é a letra T. O Tau. O símbolo de São Francisco de Assis. E foi em um encontro franciscano que eu e minha Alma Gêmea nos encontramos pela primeira vez. Nos casamos na igreja Santo Antônio, uma paróquia franciscana. Antes de me casar, eu tinha uma pequena coleção de São Francisco. Ainda hoje, na nossa casa, duas imagens de São Francisco ficam sobre nossa cama.

Eu posso pensar em outros vários significados verdadeiros e profundos (para mim) do nome Theo. Mas agora só tem um que importa: Theo é meu filho.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Espiritualidade x Religião


Quem me conhece sabe que sou um cara religioso. Desde sempre. O contato com algo maior, um ser superior que tenha nos criado sempre me envolveu. É mais ou menos a razão pela qual o ser humano inventou a religião: a procura das respostas essenciais. Ao mesmo tempo, também sempre fui um cara fascinado pelas explicações científicas do início do universo.

Eu não me lembro bem quantos anos eu tinha, mas acho que era menos de dez. Tinha um amigo que era Adventista. Um dia a gente estava na casa dele e a mãe do cara começou a falar sobre a religião. E meu amigo veio me mostrar uma figuras de como seria o fim do mundo. E que o próprio estava próximo. Pronto. Minha curiosidade (na falta de uma palavra melhor) explodiu de tal forma que eu quis me aproximar dos adventistas. Um dia até fugi de casa para assistir a uma escola dominical que eles tinha.

Era hora da minha mãe agir e ela me colocou na primeira comunhão, no catolicismo. Novamente a curiosidade aflorou ao ver aquele cara barbudo morrendo pelos nossos pecados. Abracei a Igreja Católica por um tempo. Mas na época da faculdade resolvi procurar outros caminhos. Cheguei a assistir um culto Batista, participar de orações espíritas e até sobre ocultismo eu andei lendo (mas tive uma infecção feia por conta da poeira na Biblioteca da UnB e deixei quieto). Voltei ao catolicismo. Decidi que aquela seria minha religião. Fui coordenador de um dos maiores movimentos de Brasília, quase comecei a estudar para ser padre, tive decepções, decepcionei muita gente e agora estou um pouco afastado. Da igreja, com i minúsculo, o espaço físico. Espiritualmente continuo com a mesma curiosidade expansiva que tinha na minha infância – apesar de saber que corro o risco de ser criticado pelos livros de Leonardo Boff que leio (ops, falei...).

E agora vem a dúvida: o que fazer com meu filho/a? Deixá-lo escolher? Batizá-lo e cuidar para que ele/a seja católico/a também? Sei que os conservadores, aqueles cobertos com a crosta do servilismo e da ignorância baseada em uma falsa fé vão dizer que eu tenho que cumprir minha função de pai e católico. E eu farei isso. De boa vontade, sem hipocrisia. Mas taí outra conversa que terei com ele/a, não mais e nem menos importante como aquela sobre sexo. Minha esperança é que a criação que eu e Fernanda demos seja o suficiente para ele/a não se torne acomodado/a e tenha a personalidade para escolher seu próprio caminho.

Paz e Bem!

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

E por falar em adolescência...


Taí uma fase da vida que a gente esquece. Os jovens realmente são uns injustiçados. Mas os adolescentes também são perversos. Busque na memória e você lembrará do que sofreu e do que fez sofrer. Estou ouvindo muito o disco Accelerate, do REM, e tem uma música chamada Supernatural Superserious. Tinha me esquecido como eu era inseguro. E ao mesmo tempo sem medo. Aqui vai um pedaço da música (e uma tradução meia-boca). Boa sorte, filho/a: vou tentar pelo menos não atrapalhar quando você chegar nessa fase...

Everybody here
Comes from somewhere
That they would just as soon forget and disguise
At the summer camp where you volunteered
No one saw your face, no one saw your fear
If that apparition had just appeared
Took you up and away from this place and sheer humiliation
Of your teenage station
Nobody cares, no one remembers and nobody cares
Yeah you cried and you cried
He’s alive, he’s alive
Ah, you cried and you cried and you cried and you cried

(Todo mundo aqui
Vem de algum lugar
Que iria esquecer tão cedo e disfarçar
No acampamento de verão onde se voluntariaram
Ninguém viu seu rosto, ninguém viu o seu medo
Se aquela aparição tinha acabado de surgir
Leva você para cima e para fora deste lugar e da grande humilhação
De sua estação da adolescência
Ninguém se importa, ninguém se lembra e ninguém se importa
É, você chorou e você chorou
Ele está vivo, ele está vivo
Ah, você chorou e você chorou e você chorou e você chorou)

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Em nome do pai


Eu sempre tive problema com meu nome. Durante o primeiro grau, era chamado de Luiz por causa da chamada. Depois, no segundo grau do Objetivo (que não tinha chamada) e na FAC, me apresetava como Leo. Mas tem gente até hoje que não tem idéia do meu nome. Do meu nome duplo. Do meu fardo enquanto aborrecente. Luiz Leonardo. Acho que meus pais ficam meio aborrecidos quando falo mal do nome que escolheram para mim. Mas eles assumiram a responsabilidade.

Não, isso não me criou nenhum trauma irreversível e hoje até brinco com esses dois nomes que são lindos individualmente, mas que, apesar de todo o meu esforço, são brigados um com o outro e só entram na mesma frase quando minha vó Jacyra me chama. E isso me lembra que falta pouco para eu escolher o nome do rebento que está por vir.

Será uma dama? Um varão? Em poucos dias vou saber. Estamos torcendo para que o feto abra as pernas durante o exame - e a ironia é que se for menina vamos ficar torcendo para que ela fique de pernas fechadas por um bom tempo na vida... Só assim para ter certeza sobre o sexo. Compra de roupas, enxoval etc. Tudo isso é fácil e cheio de prazer. Mas e a escolha do nome?

Ok, já temos nossas opções. São nomes um pouco, digamos, diferentes. No início, dizíamos os nomes cheios de orgulho. E aí começamos a ver reações, vejamos, decepcionantes. Para nós. Tinha gente que dizia "Ah, legal. Diferente, né?". Outros, como um certo puliça que conheço, disse na lata que iríamos nos arrepender – o que deixou a Fernanda extremamente irritada. Tá, um pouco irritada. Tem gente que adora, de verdade. Tem gente dizendo que depois todo mundo se acostuma.

É uma grande responsabilidade. O/A menino/a vai viver com isso para o resto da vida. Vai ter apelidos. Vai ser malhado/a. Vai sofrer muito durante a adolescência. Mas, na boa, acho que ele vai penar com isso mesmo que o nome seja o mais comum de todos. Basta ter uma orelha um pouco maior, ou parecer com o Bóris Casoy, ou com aquele personagem da vacinação, ou com a menininha que aparece no pote de uma margarina. O melhor é ter um belo senso de humor, inteligência suficiente e jogo de cintura para levar de boa essa tortura que é passar pela adolescência. Ele/a terá outros problemas bem mais difíceis para enfrentar.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Mais uma historinha


Eram três irmãos. Foram criados somente pela mãe, que ficou sozinha depois que o marido fugiu de casa, perto de 1995. Moravam em um barraco com sala/cozinha, banheiro e dois quartos na Estrutural. Passaram por apertos quando policiais militares invadiram o local e tentaram tirar um monte de gente de lá. Viviam com o dinheiro da mãe, doméstica que trabalhava em casa de família do Lago Norte.

Não é a história dos Três Porquinhos, mas o mais velho era bom construindo coisas, mexendo com máquinas, TVs e até computador. Só tinha o primeiro grau e um curso do Sesi. Não estudava. Tinha o dom e era bom de serviço. O do meio era um problema sério: sempre se meteu em confusão. Na infância, brigava com que se metesse no seu caminho. Mandou um coleguinha para o hospital só por causa de um olhar torto. Era traficante pé-rachado, só fazia era repassar a droga que recebia. Já o mais novo era estudioso. Passou fácil pelo ensino médio e cursava Física na UnB. O verdadeiro orgulho da mãe.

Aliás, a mãe, depois dos filhos crescidos, ficava mais em casa. Os meninos dela agora a sustentavam. Ela preparava comida, lavava roupa e ficava feliz quando os três jantavam juntos em casa, mesmo que depois o mais velho e o mais novo se juntavam para tentar tirar o irmão do meio da vida de bandidagem. Geralmente dava briga e o bicho-solto dormia fora de casa. Na verdade, quase todos os dias o do meio dormia fora de casa.

A mãe morreu. Anos mais tarde, o filho do meio também. Tinha menos de 25 anos, mas quem se mete no crime morre cedo. Todo mundo sabe. Ainda mais se você é pé-rapado. O mais novo se tornou professor universitário. Completava os ganhos com as bolsas de pesquisa que conseguia lá mesmo na UnB. Morreu sozinho, aos 74 anos, recebeu homenagens etc, etc. E o mais velho viveu feliz, em sua ignorância. Casou-se, criou três filhos no Guará, todos com estudo, todos formados. Mas também morreu. Todo mundo morre. E acabou-se.


Moral da história: Aprenda que nem toda história tem moral. Às vezes é só a vida mesmo. Mas daqui a alguns dias eu escrevo uma história bonitinha, com começo, meio e fim. Aliás, com um fim bem feliz.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Coisas que você vai ter que enfrentar



Tem um cara que seu pai gosta muito. Aliás, é até xará do seu pai. Chama-se Leonardo Boff. É meio complicado de ler seus livros, mas pode crer que vale a pena. Passa uma mensagem de integração com o universo, de paz, de participação, de se enxergar e de ser no outro. Ele era franciscano, uma ordem dentro da Igreja Católica. Não vou me alongar agora, mas Boff pediu para sair da ordem por causa de uma série de fatores. Mas não deixou de carregar com ele o espírito dos pobres de Jesus. E também uma inteligência e uma sensibilidade fora do comum. Tanto que os franciscanos fizeram um encontro aqui em Brasília e ele foi convidado. Mas depois Boff teve que retirar sua participação porque, segundo uma entrevista que li no Correio Braziliense, a Arquidiocese de Brasília disse que alguns palestrantes daquele encontro "não estavam em comunhão com a Igreja". Não é verdade, filho/a. Ele está em comunhão com Igreja. Talvez não com o Vaticano, mas com a Igreja, sim. Mas isso eu vou explicar quando você estiver um pouco mais velho. Por enquanto, deixo aqui uma homenagem a Leonardo Boff, aos franciscanos e a todos que lutam pela justiça neste mundo.

Carta aos Governantes dos Povos

Por São Francisco de Assis

A todos os podestás, cônsules, juizes e regentes no mundo inteiro, e a todos quantos receberem esta carta, Frei Francisco, mísero e pequenino servo no Senhor, deseja saúde e paz.

Considerai e vede que "se aproxima o dia da morte"(Gn 47,29). Peço-vos, pois, com todo o respeito de que sou capaz que, no meio dos cuidados e solicitudes que tendes neste século, não esqueçais o Senhor nem vos afasteis dos seus mandamentos. Pois todos aqueles que o deixam cair no esquecimento e "se afastam dos seus mandamentos" são amaldiçoados (Sl 118,21) e serão por Ele "entregues ao esquecimento" (Ez 33,13). E quando chegar o dia da morte, "tudo o que entendiam possuir ser-lhe-á tirado" (Lc 8,18). E quanto mais sábios e poderosos houverem sido neste mundo, tanto maiopulta "tormentos padecerão no inferno" (Sb 6,7).

Por isso aconselho-vos encarecidamente, meus senhores, que deixeis de lado todos os cuidados e solicitudes e recebais com amor o santíssimo sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, por ocasião de sua santa memória. Diante do povo que vos foi confiado, prestai ao Senhor este testemunho público de veneração: todas as tardes mandai proclamar por um pregoeiro, ou anunciai por algum sinal, que todo povo deverá render graças e louvores ao Senhor Deus Todo-Poderoso. E se não o fizerdes, sabei que havei de dar conta perante vosso Senhor Jesus Cristo no dia do juízo.

Os que levarem consigo este escrito e o observarem saibam que serão abençoados por Deus nosso Senhor.

sábado, 18 de outubro de 2008

Por que o céu é azul? (Parte 2)


O Nome Disso

Arnaldo Antunes

O nome disso é mundo
O nome disso é Terra
O nome disso é Globo
O nome disso é Esfera
O nome disso é Azul
O nome disso é Bola
O nome disso é Hemisfério
O nome disso é Planeta
O nome disso é Lugar
O nome disso é Imagem
O nome disso é Arábia saudita
O nome disso é Austrália
O nome disso é Brasil

Como é que chama o nome disso

O nome disso é rotação
O nome disso é Movimento
O nome disso é Representação

The Word of this is name
The name of this é isso
O nome disso is place
El nombre of name estace
El nombre do nome Esfera
O nome disso é idéia

O nome disso é Chão
O nome disso é Aldeia
O nome disso é Isso
O nome disso é Aqui
O nome disso é Sultão
O nome disso é África
O nome disso é Continente

O nome disso é Mundo
O nome disso é Tudo
O nome disso é Velocidade
O nome disso é Itália
O nome disso é Equador
O nome disso é Coisa
O nome disso é Objeto

Como chama o nome disso

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Meu fácil trabalho de pai


Minha companheira não é uma grávida que dá trabalho. No início ela teve alguns problemas, mas nada demais. Só repouso, nada de exercícios físicos, nada de exageros. Somente agora ela teve um enjôo. Mas consigo ver nela todo o esforço, todas as dores, todo o mal-estar. Sentir, eu não vou sentir nunca, por maior que seja a ligação emotiva-psíquica que eu tenha com ela. Ponto.

Não que eu seja tão sensível assim para querer sentir as dores dela. Como todo mundo está careca de saber, o limite de dor do homem é muito menor que o da mulher. Não sei se isso é verdade, mas eu também prefiro não saber. Só que, pensando bem, eu tenho quase as mesmas coisas que ela. Senão, vejamos:

- Ela está sentindo azias imensas. Eu tenho gastrite e esofagite, minhas azias são constantes. Até bebendo água, às vezes, eu sinto azia.

- Ela agora começou a enjoar. Eu tenho labirintite, e qualquer crise é suficiente para eu ficar muito tonto e vomitar sem parar.

- Ela está com vontade de mascar chiclete incessantemente. Eu estou com vontade de mascar qualquer tipo de comida incessantemente. O que nos leva ao próximo tópico.

- Ela está com a barriga crescendo e deve ser um peso cada vez maior daqui para frente. Comigo está acontecendo a mesma coisa...

É claro que é brincadeira. Principalmente porque sei que daqui a uns seis meses ela vai passar por dores horrorosas. Agora, a única coisa que eu quero é passar a mão naquela barriguinha, falar com ela e com o bebê, fazer muitos carinhos neles e ajudar no que for preciso. A fase não é nada fácil e o meu trabalho de pai é não atrapalhar, ter paciência, não reclamar, aceitar reclamações, ter paciência, fazer massagem no pé dela, andar devagar com o carro, ter paciência. Muito trabalho? Perto do trabalho que ela vai ter, isso é fichinha...

sábado, 11 de outubro de 2008

SEXO!!!


Ah, que assunto sedutor! Talvez para adolescentes ou adultos ávidos pelo sexo oposto ou pelo mesmo sexo. Ou pelo próprio sexo. Mas ávidos pela troca de fluidos, pelo toque, pelo beijo, pelo olhar ou simplesmente pela pegação em si. Com ou sem amor. Mas sexo. O problema está em conversar com seu filho ou filha sobre o assunto... Problema?

Pode ser divertido, eu acho. Mas todo mundo se lembra de como foi que aprendeu sobre o assunto? Isso é importante, como diria o Ultraje a Rigor:

"Depois aprende por aí que nem eu aprendi
Tão distorcido que é uma sorte eu não ser pervertido"

Tudo bem, é um pouco de exagero da minha parte. Mas minha família sempre teve um pouco de timidez para tratar de sexo. Eu devia ter uns 10 anos e já era um CDF de marca maior, consumia livros e mais livros. Ótima oportunidade para os meus pais. Eles me deram dois livros: De Onde Viemos? e O Que Está Acontecendo Comigo? Foi ótimo, sem brincadeira. Pela idade, eu não tive muita idéia do que fosse o segundo, mas me adiantou alguns processos. Estava tudo lá, muito bem explicado e bonito.

Só que o assunto sexo não é um dia no Beto Carrero World... Existe um lado, digamos, obscuro, um cinza entre o preto-no-branco. Foi só eu fazer as contas e vi que tinha nascido de cinco meses. Fui lá perguntar para o meu pai, já que nunca fui muito bom em matemática. Minha mãe saiu de fininho e, enfim, ele teve que me explicar. E, logicamente, dali por diante outras questões surgiram em conversas com amigos e amigas. E outros traumas a Igreja Católica tratou de imprimir em mim. E a mesma também tratou de me tirar algumas dúvidas, para eu não ser totalmente injusto.

Meu filho/a também terá a hora certa de aprender. Quero estar presente. Também sou um pouco tímido para o assunto, mas quero explicar o lado bonito e físico-químico do processo. Mas sei que, por mais que eu seja aberto e me adiante, não adianta espernear: o mundo tratará de ensinar alguns outros lados da questão. E se eu tiver feito minha parte, meu papel aí é só torcer para ele/a aprenda muito bem.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Saudade do que vou viver...


Frio danado. Um leve cheiro de cinzas no ar. E música. Forró. Tem uma fogueira acesa. Mas só lá bem perto é que dá pra espantar o frio. Porque tá um frio danado. Aquele monte de gente perto das barraquinhas, gritando e acenando para tentar pegar uma cerveja, um quentão, um cachorro-quente.

Junho e julho, com suas festas juninas, o céu azul de dia e o frio birrento à noite. Não sei o porquê, mas é uma das épocas, para mim, que Brasília tem mais cara de Brasília. Não precisam concordar. Mas eu acho. Talvez porque fosse época de férias para mim, eu esperava com ansiedade até o fim de semana para curtir aquelas festas nas quadras do Guará. Todo mundo se encontrava, mesmo continuando perdido depois...

Até hoje eu procuro por festas juninas. Ainda mais quando tem uma galera junto. Aquele frio danado (se bem que, ultimamente, não está tão frio. Coisa de efeito estufa e tal). Hoje em dia dá pra achar festas juninas em maio, em julho e, não se assustem, até em junho.

Pois é, comecei a pensar nisso quando lembrei que no ano que vem terei companhia nas minhas festas juninas. Ele ou ela já vai ter nascido. Vai ter, no máximo, dois meses. Será que vai dar para levar? Com esse frio danado? Acho que se estiver cheio de roupa quente, com cobertorzinho por cima, dá. A gente não fica muito tempo. Só o suficiente para eu comer um pastel de ar, um chocolate quente. Ver a criançada correndo e soltando aqueles estalinhos chatos. E daqui a alguns anos, ele ou ela estará lá.

Sei que alguns estão pensando: "Acabou a mordomia, agora é só cuidar de criança. Viu? Agora mudou sua vida toda por causa de um bebê e nunca mais vai ser a mesma coisa." É verdade. Nunca mais minha vida será a mesma. Assim como mudou quando entrei no segundo grau. Ou passei no vestibular. Ou arranjei uma namorada. Ou aprendi a dirigir. Ou arranjei um trabalho. Ou fui promovido. Ou resolvi casar. Mas eu só consigo pensar nele/a, do meu lado, comendo um cachorro-quente, sorrindo e pedindo para eu comprar estalinhos em uma festa junina. Por enquanto, eu tudo o que eu quero.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O rosto da paz


- Mexe na sua barriga. Pode mexer.

- Olha, ele mexeu também!

- Pois é, basta você encostar aí que o bebê se revira.


Foi o papo do médico com a Fernanda na nossa última ecografia. Eu, no meu cantinho, vendo tudo em uma tela de computador, fiquei boquiaberto. Uma fragilidade enorme, uma vidinha que deve ter pouco mais de um centímetro, e já interage com o mundo exterior. Vi os olhos, os ossos da costela, as pernas...

Não estava nervoso. Mas vi que minha companheira estava extremamente ansiosa nos dias anteriores a essa ecografia. E é preciso paciência nessas horas, né? Ver meu bebê ali, se mexendo, encolhendo e esticando as pernas, ouvir as batidas fortes do coração (o atletinha tem 168 batimentos cardíacos por minuto), tudo isso foi muito bom, foi reconfortante.

Mas não teve nada melhor que olhar para minha companheira nos olhos, ver que tudo nela sorria, sentir uma ligação mais forte do que eu podia imaginar, absorver toda aquela felicidade de mãe.

Foi como ver o rosto da paz.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Por que o céu é azul?


- Pai, por que o céu é azul?
- Por causa de uma combinação de elementos, como o ar, o reflexo da luz do sol e também alguns...
- Mas ele às vezes não é azul, né?
- Não, mas é porque as nuvens tapam a entrada da luz e...
- Pai, brinca comigo de carrinho?
- Mas você não queria saber do céu?
- Era, mas já passou. Quero brincar de carrinho.
- Então tá.
- Pai, como é que o carro faz pra andar?
- Ah, o combustível passar por um cano e entra no motor. Aí, lá dentro, acontece uma explosão e...
- E por que não explode o carro, pai?
- Porque são explosões pequenas, aí...
- Nossa, pai, mas imagina se tem uma explosãozona, enorme, aí todo mundo morre, né, pai?
- Não, mas não tem esse perigo porque...
- Pai, será que dá para fazer uma explosão dessa na minha bicicleta? Aí não ia precisar de pedalar, né?
- Mas isso já existe! Tiveram essa idéia e inventaram a moto!
- Caramba, é mesmo! A moto é uma bicicleta com explosão! E você, pai, já inventou alguma coisa?
- Ué, inventei você! Eu e sua mãe inventamos você!
- Pois eu vou ser inventor! E vou inventar uma coisa bem maluca. Tipo um escudo invisível para que eu pudesse fazer tudo o que eu quisesse. Quando alguém viesse me parar, eu ligava o escudo!
- Mas isso seria perigoso e nada ético. As pessoas não podem...
- Só que eu ia te obedecer, tá, papai? Nunca na vida eu vou te desobedecer, tá, papai?
- Então eu vou te ajudar a criar esse escudo. Quer que eu te ajude?
- Não, pai, quero fazer sozinho e te dar um de presente!
- Então tá combinado! Vamos brincar de carrinho...

Caraca, vou adorar ser pai e ter uns papos bem malucos assim...

sábado, 27 de setembro de 2008

O que ensinar a ele/a









Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Agora o assunto é sério


Na verdade, são dois assuntos muito sérios. Capaz de fazer o papai aqui sair do sério. O suficiente para me manter de péssimo humor para o resto da vida: futebol e música. Tudo bem, quem me conhece sabe que eu não sou tão intolerante assim. Mas abuso tem limite. Sou botafoguense. Daqueles que ficam nervosos o suficiente para não assistir a nenhum jogo. Por outro lado, calmo demais para não aceitar provocações e gozações. Só tem um problema: apesar da minha alma gêmea, meu sogro e dois cunhados meus serem flamenguistas, eu ficaria bastante chateado se meu pimpolho escolhesse torcer para o urubu. É uma questão de caráter.

Não que a flamengada seja sem caráter. Mas simplesmente porque torcer para um time por qual qualquer um torce fala pouco sobre a personalidade de uma pessoa. Tudo bem, não vou fazer força para ele/a seja botafoguense. Na boa, também ninguém merece sofrer também (ah, ah, ah). Sei lá, tem tanto time aí. Também não seria bom se fosse torcedor do vasquinho ou do fluzinho. Não quero ficar freqüentando estádios da Série B (ah, ah, ah, de novo...).

Mas vamos ao assunto que realmente importa: música. Consigo ir a uma formatura ou a um casamento e dançar um funk ou um forró. De boa. Mas meu humor não resiste a um sertanejo-brega ou axé music. Não dá. Quem me conhece também sabe que tenho alergia a coisas tipo Maurício Manieri e Jorge Vercilo (Meu Deus, já comecei a me coçar...). Vou fazer minha parte. Apresentarei Beatles, Stones, Led, Creedence, Legião (para desespero da Lindona), Pato Fu (para desespero do Felipe).

Mesmo assim, convenhamos, o mundo de hoje é cheio de drogas. Musicais, claro. Meu amigo Otto já ajudou me presenteando com um Beatles For Babies. Espero que meus companheiros e companheiras não me deixem só nessa luta. Nesse caso, Deus me perdoe pelo o que eu vou escrever, mas se for para ele/a gostar desses lixos musicais, é preferível ser flamenguista...

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O tamanho do problema e o problema do tamanho


Adoro apelidos. Já cheguei a criar um para mim, mas não deu certo. Desde que não sejam apelidos apelativos, acho muito divertido.

Aliás, descobri que a gente nem nasce direito e já recebe apelidos. Quando está dentro da barriga, já que não dá para ver como é a nossa aparência, se tem bafo, chulé ou sardas, o negócio é fazer comparações com o tamanho. Foi assim com o meu filhote. Primeiro, era do tamanho de uma cabeça de alfinete. Pronto, a gente começou a chamar a prole de Cabecinha. Com todo carinho, é claro. Depois, na primeira ecografia, o médico nos disse quanto ele/a media. E assim, o baby virou o Feijãozinho.

Após algum tempo, minha alma gêmea fez seus cálculos, leu livros, blogs, páginas médicas e chegou à conclusão que ele/a já havia crescido. Agora era a Azeitoninha. Na semana que vem faremos outra eco. Acho que já vamos poder chamar nosso/a filho/a de Tomatinho ou Batatinha, daquelas pequenas.

Estou doido para ver meu bebê nascer para vê-lo com tamanho de gente. Se bem que, se for depender da altura dos pais, acho que os sufixos para os apelidos dele/a vão continuar no diminutivo...

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Uma historinha pra você...


Papo besta. Eu sei que essa preocupação é inútil e o discurso pode cair no vazio. E você só vai me escutar quando tiver mais de 18 anos. Mas vai assim mesmo. Seu pai sempre gosta de contar histórias das coisas que ele viveu. Como da vez em que ele participou do Rally dos Sertões. Pode acreditar, foi uma experiência e tanto de vida. Quando eu puder, levo você para o interior, para conhecer uma galera muito diferente da cidade. Não sei se ainda existirão pessoas tão ingênuas quanto aquelas que conheci. Como um pequeno agricultor do Tocantins, que correu para dentro de casa, tirou filhos e mulher e saiu fugido ao ver um helicóptero chegando: "O passarão chegou para pegar a gente, mulher! Foge!".

Ou então uma senhora ainda em Goiás. Jacira era o nome dela, assim como o da sua bisavó. Ela fez questão de levar aquele bando de jornalistas para conhecer a casa dela. Era feita de barro, com telhado de sapé. E fogão a lenha. Tinha quatro cômodos: uma sala e três quartos. A cozinha e o banheiro eram do lado de fora. Na sala e nos quartos, a mesma mobília: dois tijolos que apoiavam uma tábua longa. Servia de cama e sofá.

Dona Jacira não parava de sorrir e contar como tinha conseguido sustentar os muitos filhos depois que o marido saiu de casa. Possuía umas galinhas, uma vaquinha, um boi, um bezerro. Ofereceu laranja pra todo mundo e não aceitou qualquer tipo de ajuda. "A gente consegue viver muito bem com o que a gente tem."

Me lembrou uma outra viagem que fiz para Cuba. Não sei se na sua época vai mudar, mas quando eu fui, o povo precisava de coisas como lápis, sabonete, caneta, pasta de dente. Uma brasileira ficou com pena quando uma mulher passou vendendo amendoim, que custava um dólar o saquinho. A brasileira deu dez dólares e falou que não queria troco. "Não quero esmola. Eu trabalho e quero ganhar por isso", falou a vendedora.

Não confunda isso com ingratidão, pouco caso ou desdém. Para quem tem todas as chances do mundo, e sempre teve, pode parecer. Para quem tem tudo desde que nasceu ou para quem não lembra o que já sofreu na vida, pode parecer. Mas não é. Isso é ter auto-estima alta, saber o que se vale. É saber a diferença entre pena e generosidade. É se dar o valor. Até que você cresça (sim, apesar da estatura do seu pai e da sua mãe, você vai crescer), espero que vários outros brasileiros tenham essa consciência. E que você seja gente em um país e em um mundo bem mais justo, bem mais humano. Sem hipocrasia, sem vãs esperanças.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Conselhos: ainda bem que não precisa pagar...



Seguinte: o blog é para ser cheio de sentimentos, mas risadas, caretices e azedices também fazem parte. E para começar com o melhor do mau humor, vamos aos conselhos recebidos até agora. Sim, os conselhos são muitos a partir do momento em que você sabe que terá um bebê. O primeiro deles foi: aproveite para dormir porque na hora em que o pimpolho vier, você não terá mais tempo. Ok, obrigado. Mas vem cá: vai adiantar eu dormir durante duas semanas seguidas agora? Tipo, quando o bebê nascer, vou poder lembrar daquelas duas semanas e aí o sono acaba? É retroativo?

Outra: não use calça jeans (obviamente essa é para a minha alma gêmea). Nossa, que prático! Como se não fosse algo natural, já que a barriga está crescendo e, claro, as calças jeans - ou qualquer outra calça apertada - machucam mais do que tudo. É como se dissessem: não deite em uma cama de pregos...

Mais: aproveite a gravidez porque depois você vai sentir falta. Esse conselho pode ser combinado com aquele "aproveite seu casamento porque agora vocês vão viver para os filhos". Então eu faço o quê? Como se a gravidez não fizesse parte do casamento ou como se a gravidez fosse algo como férias, que você tem que aproveitar todos os anos...

Já me disseram que, quando o bebê nascer, os conselhos vão multiplicar: dê banho desse jeito, coloque a fralda assim, saia muito com o nenê para ele criar anticorpos, não saia com o nenê para ele não ficar doente, não deixe ele/a com os avós porque vai ficar mimado/a, deixe ele/a com os avós para se acostumar com outras pessoas.

Eu sei: deixa-de-ser-mal-agradecido-as-pessoas-só-querem-ajudar. Tenho certeza disso. E realmente alguns conselhos vão ser essenciais para o bom andamento do processo. Aliás, em um aniversário de criança há alguns dias, eu tive um desses bons conselhos, vindo de uma mãe novata: não siga conselhos. Pode ter certeza de que algo que aconteceu com o filho dos outros vai acontecer com o seu, mas isso não é nenhuma garantia que a solução vai dar certo com você também...

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Medo? Insegurança? Felicidade?



Afinal, o que se sente quando você acaba de saber que será pai? Correndo o risco de ser acaciano, depende da situação que você vive no momento. Lembro de um amigo meu que se desesperou e imediatamente convenceu sua "companheira" de fazer um aborto. Outro ficou calado, com cara de quem está pensando em um coca-cola bem gelada. Eu, particularmente, tive que sair correndo da sala onde eu trabalho para chorar. Lembro perfeitamente do silêncio que eu e minha alma gêmea fizemos no telefone. Foi como se ela me abraçasse. Na boa, foi a única vez que chorei até agora - e lá se vão mais de dois meses. No resto do tempo, não tenho como mentir: fiquei preocupado. Eu sou um cara preocupado.


Mas queria ter certeza que aquela pequena cabeça de alfinete realmente estava viva, que eu não passaria pela frustração - na falta de uma palavra mais forte - de descobrir que a gente tinha perdido nosso filho. Por isso, semanas depois, quando ouvi o coração dela/dele pela primeira vez, eu não senti vontade de chorar. Foi um alívio imenso. Agora, toda vez que passo a mão pela barriga dela, toda vez que converso com aquele pequeno ser, toda vez que beijo aquela pele macia, sinto uma tranqüilidade imensa. É bom saber que ela/ele está ali. Não dá para dizer o que se sente quando você sabe que vai ser pai e dali por diante: são muitos sentimentos enviesados, embolados, intrincados. E é bom me sentir assim.