segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

E o moleque abriu o berreiro...

Cena 1:
Em um supermercado, um moleque dos seus três anos de idade berra, rola no chão, prende a respiração até ficar azul, arranca os cabelos, chama a atenção de todos os que estão ali por perto - inclusive o da mãe dele, o que não tem muita importância, já que seu objetivo principal é fazê-la passar por tal constrangimento. Quer porque quer uma caixa de bombom. A mãe pega o menino pelo braço, sai do supermercado e lá fora dá uma bronca federal, com direito a um tapa na bunda. Eles voltam e fazem as compras normalmente.

Cena 2:
É uma loja de brinquedos dentro de um shopping. O menino grita, esperneia, derruba brinquedos. Quer um super-robô-que-fala-faz-contas-e-imita-a-britney-spears. Esmurra a mãe e diz que vai morrer. A progenitora é incisiva: segura o moleque e fala em um tom de voz calmo, com muita segurança. Ela diz que o menino está se comportando muito mal e que, por isso, ele vai ficar de castigo ali mesmo. Coloca o filho em um lugar específico e vai andar pela loja, sempre de olho nele. Ao final de um tempo determinado, ela vai ao lugar onde deixou o menino. Ele pede desculpas e os dois voltam às compras.

Cena 3:
Em um parque de diversões, um pentelho está se esgoelando, vermelho, esparramando a pipoca que segura em uma das mãos, enquanto aponta para um algodão-doce: ele quer a guloseima de qualquer jeito. A mãe diz que ele já está comendo a pipoca pedida antes, não dá para comer outra coisa. Ele insiste, pula, xinga e bate na coitada. Ela vai na carrocinha e compra o tal algodão-doce. O moleque se empanturra, feliz da vida, pára de chorar e continua seu passeio pelo parque de diversões.

Algumas conclusões a que podemos chegar depois das três historinhas - que são reais e foram vistas pelo narrador.

Primeiro: notaram que só apareceram mães? Pois é, são elas as verdadeiras criadoras, são elas as responsáveis pelos limites e traumas da criança. Claro, estou generalizando. Mas imaginem a pressão, a carga de responsabilidade que carrega um ser humano que precisar criar um outro ser? Tudo em nome de um sistema que coloca o macho como provedor dos alimentos-dinheiro-roupas-etc-etc em casa e que, por isso, não tem tempo para se preocupar com a criaçãos dos filhos. E quando arranja esse tempo, é de uma sensibilidade paquidérmica. É óbvio que a criação das crianças deve ser uma co-responsabilidade e que o homem também torna-se "dono" dos medos e libertações futuros de seus filhos.

Segundo: todas as situações foram resolvidas. De uma forma ou de outra, o piti parou. Acredito que cada uma das soluções encontradas terão uma conseqüência a curto, médio ou longo prazo. Mas são soluções. O que eu não gosto são de receitas. Porque os seres humanos não são feitos de receitas. Nós não respondemos igualmente a cada ação que nos é colocada ou imposta. Somos diferentes, temos reações diferentes. Receitas são feitas para fazer bolo. E nós não somos massa de bolo.

Terceiro: que medo da porra de criar um filho...

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Mais uma ecografia, mais um medo passado

Acompanhar o nascimento de uma criança é algo complicado, cheio de nuances. Não é só esperar nove meses e agüentar os altos e baixos da mãe. Na verdade, sua mãe, Theo, tem sido uma grávida exemplar: quase não reclama, não teve enjôos nem desejos, vive sorrindo e essa história de sensibilidade ela tirou de letra. Curte cada minuto, constrói uma história só dela e sua, como se você fosse um novo companheiro (e é) na vida dela, um amigo que agora ela carrega o tempo todo.

O negócio não é esse. Essa fragilidade que ela leva dentro da barriga é motivo de um acidentado relevo de emoções e preocupações. Primeiro, um mês de repouso absoluto. Depois, os primeiros três meses que são cheios de cuidados. Aí a gente descansa um pouquinho e aparece mais uma ecografia para saber o sexo. E aí, será que o médico acertou? Será que é menino mesmo? Existe alguma possibilidade de erro?

Agora está tudo bem. Mas tem outra ecografia. Para quê? Tem que saber se ele tem todos os dedos, se o cérebro está bem formado, se o coração possui os átrios, os ventrículos, as veias e as artérias. O meu coração bate forte toda vez que aquela imagem disforme aparece naquela tela de LCD do computador. Um medo grande de o médico falar que você, Theo, tem algum problema, se a gravidez não está correndo bem, enfim...

Hoje deu para ver que tudo está bem. Você é um bebê pequeno, calmo e saudável. É hora de curtir a gravidez. Sentir você começar a mexer. Conversar com você. Colocar umas músicas tranqüilas e legais. Fazer sua mãe rir, ficar alegre o tempo todo. Minhas preocupações vão continuar até o dia em que eu morrer, Theo. Sempre à procura do perfeito. Mas prometo não te cobrar. Prometo ser muito compreensivo. Pelo menos hoje eu prometo isso tudo. É que eu vi você. E toda vez me sinto tão perto assim de você, fico meio bobo. Ser seu pai tem me feito muito bem.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Luz, câmera, ação!


Hoje eu estava conversando com meu sobrinho sobre meu filme preferido. Ele ficou interessado em ver Pulp Fiction, depois de eu falar com tanta paixão. Tudo bem, a Lindona falou que ainda não era hora de uma criança ver um filme tão violento. Mas essa parte de censura e qual é o tempo certo para o Theo, ou qualquer criança, ter contato com vida real, eu escrevo um texto depois.
Mas Theo, eu já queria falar um pouco com você sobre filmes. Eu tenho que te dizer: alguns amigos meus falam que meu gosto para cinema não é dos melhores. Para outros, eu tenho o gosto muito comercial.

Explico: fui assistir uma vez a Cinema, Aspirinas e Urubus. É sobre um alemão que desfila pelo sertão nordestino vendendo aspirinas e por lá vai encontrando várias pessoas e situações. Achei delicado, oportuno, cheio de vigor. Meus amigos acharam chato e sem final. Por outro lado, não consigo imaginar minha vida cinematográfica sem Batman, o Cavaleiro das Trevas. É cadenciado, sombrio, verdadeiro. Mas também um verdadeiro blockbuster, para o qual muitos de meus colegas intelectuais torceram o nariz.

Eu não me importo. Para mim, cinema tem só a ver com gosto. Cinema é paixão, é detalhe que mexe com um ponto obscuro dentro da sua alma, da sua mente, é sentimento jorrando quente e que realmente diz algo para você. Taí uma coisa que acho que influenciarei você com mais vigor. Vou assistir novamente a um monte de filmes com você, de acordo com o seu crescimento intelectual. Que tal alguns desenhos antigos, como Fantasia? Depois uns mais modernos, como Toy Story (tá, não é muito novo, mas é fantástico!). Mais tarde, algo para mexer com sua imaginação: O Senhor dos Anéis, O Tigre e o Dragão, ET, Guerra nas Estrelas. Aí passamos para algo mais denso, como Brilho eterno de uma mente sem lembranças, Fargo, Faça a coisa certa, Blade Runner. Quando seu senso de humor estiver um pouco mais apurado, vamos para Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, Quanto mais quente melhor.

E depois dá para desfilar com Ladrões de Bicicleta, Sindicato dos Ladrões, Juventude Transviada, Um corpo que cai, O poderoso chefão, Taxi Driver, Paris Texas, Platoon, A liberdade é azul, A igualdade é branca, A fraternidade é vermelha. Por fim, vamos aos antigos e mais difíceis de se agüentar em uma vida tão acelerada como é hoje: O encouraçado Potemkin, Metropolis, alguns do Charles Chaplin, Sem novidade no front (assisti outro dia: um verdadeiro discurso pacifista), A regra do jogo (o do Renoir), As vinhas da ira, Cidadão Kane.

E ainda dá para você me ensinar alguma coisa: nunca consegui gostar de Fellini. Quem sabe não é você quem vai me fazer descobrir mais um clássico para assistir?